"(...)Allen adere ao realismo fantástico para discutir uma imagem de Paris que, amargamente, os americanos engoliram ao longo do século 20: é a cidade que prestigia os mestre, um lugar onde artistas sem crédito nos EUA podem se refugiar para ter seu valor reconhecido. Uma cidade-museu. Não deixa de ser irônico: o cineasta que não conseguia financiamento para rodar em Nova York e partiu para uma bem-sucedida turnê de filmes europeus, ao chegar em Paris, debate essa própria acolhida.
A questão é que Allen (que já fez piada com ostracismo parisiense no final de Dirigindo no Escuro) não acredita na arte como museologia. Daí a provocação de Gil contra o erudito amigo (Michael Sheen) de Inez, que leva todo mundo pra conhecer as estátuas de Rodin, os jardins de Versalhes, e derrama seus conhecimentos. "É um pseudointelectual", diz Gil. O cara está tentando pegar a noiva dele, então dá pra entender a raiva. Em todo caso, Allen defende aqui que a arte não deve ser ostentada, mas experimentada.(...)
3) Trabalho InternoCrítica de Tiago Negreiros para a Revista O Grito!:
"Julho de 2005. A três anos da crise mundial, a bolha que levou os bancos americanos à bancarrota já dava seus primeiros indícios de existência. Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve (FED) — banco central americano – durante a crise, tranqüilizava a população americana ao ser questionado por uma repórter de tevê dos EUA sobre a ameaça de recessão no país: “eu acho que essa sua premissa não me convence, uma possibilidade, improvável, que nunca tivemos.” No dia 15 de setembro de 2008, o banco Lehman Brothers pedia concordata, dando largada para um dos momentos mais tensos desde a crise de 1929.
Trabalho Interno (Inside Job) é um filme que detalha de forma didática os meandros que levaram os EUA à recessão. Dividido em cinco partes, o documentário ataca vorazmente do começo ao fim a falta de regulamentação no sistema financeiro norte-americano, e a completa irresponsabilidade de Wall Street. O filme ousa na escolha das músicas, algumas bastante animadas para compor o quadro de completa bagunça das finanças americanas. Tão de esquerda quanto os filmes de Michael Moore, o trabalho de Charles Ferguson faz questão de mostrar quem de fato mais se prejudicou com a crise: a classe média americana, que vê seu número ser reduzido desde o início da década de 80. Sempre os pobres, que perdem suas casas, acumulam dívidas impagáveis e assiste pela primeira vez em décadas seus filhos terem uma vida inferior a sua.
Embora detalhista e por hora didático, o filme de Charles Ferguson peca no texto por várias vezes não tratar os assuntos de forma mais simples, degustável. O famoso “economês” faz presença em todo o documentário sem a preocupação de “traduzi-lo”, o que poderá causar certo incômodo para a audiência menos habituada ao tema. Outro ponto questionável é a exploração moralista da vida pessoal dos agentes financeiros. Uma dona de um bordel de Nova York é ouvida para dizer que vários homens de Wall Street, ao deixarem o trabalho, costumam freqüentar seu recinto, considerado de luxo. Só que esses pontos não tiram em nada o primoroso trabalho de apuração de Trabalho Interno.
Enganam-se quem pensa que a crise começou na Era Bush Júnior. Charles Ferguson inicia o documentário exibindo as consequências que a desregulamentação do mercado financeiro americano, iniciado no governo do republicano Ronald Reagan, trouxe para a economia do país. Entre as décadas de 80 e 90, vários banqueiros, lobistas e consultores foram presos acusados de fraudarem o mercado. O desarranjo culminou na bolha imobiliária, que Trabalho Interno até desenha para explicar.
Antes da desregulamentação, conta o filme, os empréstimos eram efetuados de maneira simples. Os bancos concediam o dinheiro e os hipotecários pagavam o valor total à própria instituição financeira ao longo de décadas. Depois da desregulamentação, os bancos passaram a terceirizar as dívidas, ou seja, elas eram vendidas para outras instituições financeiras, os chamados “bancos de investimentos”. Estes bancos, além de acumularem as hipotecas, somavam também outras dívidas, como as de cartão de crédito, empréstimos estudantis e compras de automóveis. Combinadas, esses débitos eram conhecidos como “Collateralized Debt Obrigation”, o CDO. Os CDO’s eram vendidos para investidores, os que de fato recebiam o dinheiro das pessoas físicas e jurídicas. Esses CDO’s recebiam uma espécie de ranking via agencias contratadas pelos investidores; os que possuíam “AAA” eram os mais confiáveis. “Esse sistema foi uma bomba relógio”, fala o narrador do filme, o ator Matt Damon – em um excepcional trabalho.
É a partir daí que Charles Ferguson vai à caça. A princípio o sistema foi lucrativo e gerou bilhões de dólares para os investidores, mas após alguns anos se mostrou falacioso. Sem cautela para conceder empréstimos, a inadimplência cresceu causando ruína nos bancos americanos. Trabalho Interno denuncia inclusive a influência do mercado nos trabalhos acadêmicos. Professores renomados estavam sendo pagos por Wall Street para publicarem artigos elogiosos à desregulamentação. Um dos pontos memoráveis do filme é quando o professor da Columbia Business School, Frederic Mishkin, responde sobre o seu artigo “A estabilidade financeira da Islândia”, escrito pouco antes da pequena ilha do Atlântico Norte ir sumariamente à falência. Segundo o filme, Mishkin recebeu U$ 124 mil pelo texto.
Diante de tantas mentiras, contradições, fraudes e vilania dos senhores que regem a economia mundial, Trabalho Interno não esconde seu alvo: Barack Obama. Eleito pelos americanos como o homem que poderia tirar o país da crise, o filme mostra que Obama tem feito o mais do mesmo que os seus predecessores. Eis a promessa: “Nós queremos um regulador sistêmico, aumentar o requerimento de capitais. Nós precisamos de uma agência de proteção do consumidor de serviços financeiros. Nós precisamos mudar a cultura de Wall Street”. Charles Ferguson acusa Obama de não ter cumprido nada que havia proposto e exibe como prova as nomeações que o presidente norte-americano fez após assumir o poder. “É um governo de Wall Street”, critica um entrevistado.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, coleciona erros absurdos nesses mais de 80 anos de premiação. Premiar Trabalho Interno na festa desse ano foi um alento às pessoas que ainda sentem prazer de assistir um bom documentário. Mais rico foi o discurso de Charles Ferguson que, com o Oscar em punho, lembrou que ninguém foi preso desde a explosão da crise. Apenas mantiveram impávidas suas fortunas, enquanto vários cidadãos americanos foram obrigados a trocarem suas casas por barracas. A decadência dos EUA seria pauta para um novo filme."
4) X-Men: Primeira ClasseCrítica de Pablo Villaça, do site Cinema em Cena:
"Um dos grandes problemas das pré-continuações (ou prequels) é o fato de que já sabemos como a história irá terminar: como conhecemos os personagens em suas versões mais maduras e também suas relações uns com os outros, testemunhar como chegaram aos pontos nos quais os encontramos originalmente costuma representar uma experiência que na melhor das hipóteses soa previsível e, na pior, irritante ao criar conflitos graves com o que já sabíamos sobre aquelas figuras – e ambas as coisas aconteceram em maior ou menor grau, por exemplo, em Wolverine. Assim, é no mínimo admirável que X-Men: Primeira Classe consiga o efeito oposto: além de envolvente do início ao fim, esta nova adição ao universo dos mutantes (que já conta com três ótimos filmes) preenche as lacunas deixadas pelos anteriores de forma intrigante, despertando no espectador a vontade de revê-los a fim de reavaliar o que lá acontecia sob a luz dos incidentes aqui ocorridos.
Escrito pelas duplas formadas por Ashley Miller e Zack Stentz (O Agente Teen, Thor) e Jane Goldman e o cineasta Matthew Vaughn (Stardust, Kick-Ass), o roteiro tem início na década de 40 ao trazer o jovem Erik Lehnsherr (leia-se: Magneto) ainda no campo de concentração. Atraindo o interesse do inescrupuloso Sebastian Shaw (Bacon) em função de seus poderes, ele é convertido num homem amargurado que dedica sua vida no pós-guerra à idéia de encontrar seu antigo algoz e matá-lo, eventualmente tornando-se próximo de outro jovem mutante, Charles Xavier (McAvoy). Recrutados pela agente da CIA Moira MacTaggert (Byrne), os dois homens passam a buscar outros mutantes que possam ajudá-los a perseguir Shaw, que parece determinado a incendiar as relações entre Estados Unidos e União Soviética por motivos obscuros.
Usando a crise dos mísseis cubanos como pano de fundo para a ação, X-Men: Primeira Classe é hábil ao empregar incidentes históricos como forma de ancorar seus personagens fantásticos no mundo real, recuperando as instigantes discussões promovidas pela trilogia original, que sempre se mostrou interessada em usar a discriminação contra os mutantes como metáfora óbvia dos preconceitos sofridos por tantas outras minorias – e ouvir os discursos sobre (auto-)aceitação proferidos por Magneto (Fassbender), por exemplo, é algo que torna o personagem querido justamente por nos levar a compreender sua condição de excluído. Além disso, é fácil comover-se com a alegria de Xavier ao constatar a existência de mais mutantes do que imaginara, já que percebemos como aquilo se ajusta à sua necessidade de... simplesmente pertencer.
Vivido por James McAvoy como um jovem inteligente e precoce, o Xavier desta Primeira Classe é um indivíduo que, ao mesmo tempo em que já exibe sua futura natureza agregadora e de professor, ainda conta com uma vivacidade apenas possível por sua inexperiência. Divertido e – surpresa! – galanteador, o futuro líder dos X-Men desperta nossa admiração não só graças ao seu carisma, mas também ao seu pensamento rápido (ao constatar a existência de uma outra telepata ao lado do vilão, por exemplo, ele logo avisa aos companheiros que não poderá ajudá-los com seus poderes naquele momento, assumindo um papel fisicamente ativo na missão para não tornar-se inútil). Além disso, McAvoy acerta ao conferir imensa doçura ao personagem – e sua grande alma torna-se evidente quando, depois de ler a mente de um companheiro amargurado, seca uma lágrima e agradece pela memória compartilhada.
Enquanto isso, o excelente Michael Fassbender, que havia passado por uma transformação física notável no ótimo Hunger, aqui assume a difícil tarefa de viver um dos melhores personagens dos longas anteriores, Magneto, saindo-se admiravelmente bem. Impulsivo e tomado pelas trágicas memórias da infância, o sujeito entende, como sobrevivente do Holocausto, como os humanos podem ser cruéis com aqueles que julgam diferentes – e é este cinismo diante da humanidade que molda seu caráter e move suas ações, freqüentemente contrapondo-o ao otimista amigo Xavier (e as conversas/discussões mantidas pelos dois representam os melhores momentos do filme, já que o respeito que mantêm um pelo outro torna sua dinâmica ainda mais complexa). Imprevisível e explosivo, o Magneto de Fassbender assume com tranqüilidade a função narrativa exercida por Wolverine nos primeiros filmes, o que, em retrospectiva, torna sua relação com o personagem de Hugh Jackman naquelas obras ainda mais intrigante. Como se não bastasse, o roteiro ainda explora com inteligência o contraste entre as experiências de Xavier e Magneto, já que, enquanto o primeiro estudava e se divertia, o segundo vivia uma jornada de vingança e fúria – o que naturalmente acaba se refletindo na maneira com que enxergam o mundo ao seu redor.
Eis aí a grande força da série (e que foi sintomaticamente ignorada no fracassado Wolverine): seus personagens – e não é à toa que, mesmo tratando-se de um filme de ação, é necessário dedicar tanto tempo à análise dos indivíduos apresentados pela narrativa. Contando com um universo rico e povoado por criaturas fascinantes, Primeira Classe sempre se torna melhor quando se concentra nos poderes de seus mutantes e na maneira com que estes interagem – desde os momentos mais descontraídos, quando simplesmente demonstram prazer por se descobrirem, até aqueles mais tensos nos quais uns são obrigados a usar seus dons em resposta aos ataques dos outros. E se o elenco da produção é repleto de nomes notáveis (basta olhar a lista no alto deste texto), é impossível não destacar as performances de ao menos três destes - Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult e Kevin Bacon – e o corpo de January Jones. Lawrence, tão eficiente em Inverno da Alma, compõe Mística como uma jovem repleta de vida, mas que ressente a aparência resultante de sua mutação, estabelecendo uma dinâmica fluida com Xavier, que respeita sua insegurança, e Magneto, que insiste para que assuma sua diferença. Hoult, por sua vez, deixa para trás a imagem do menino de Um Grande Garoto e transforma Hank McCoy num rapaz brilhante que, contudo, mostra-se farto daquilo que enxerga como uma deformidade que o torna um pária – e sua trajetória, que remete a O Médico e o Monstro (citado pelo filme, aliás), é uma das mais interessantes do longa. Finalmente, Bacon é responsável por estabelecer Shaw como o melhor vilão de toda a série (nunca encarei Magneto como “vilão”), exibindo uma segurança que leva o espectador a realmente temer pelo destino dos heróis.
Dirigido com firmeza por Matthew Vaughn (que, além dos já citados Kick-Ass e Stardust, comandou o ótimo Nem Tudo é o que Parece), X-Men: Primeira Classe traz seqüências de ação intensas e bem orquestradas, destacando-se também em seus momentos de maior sutileza – e reparem, por exemplo, na maneira com que o cineasta subitamente salta o eixo depois de alguns minutos durante a primeira conversa entre Shaw e o pequeno Erik Lehnsherr para revelar, de maneira impactante, o que se encontra do outro lado da sala do vilão, obrigando o espectador a recontextualizar toda a conversa a fim de compreender a urgência da situação do garoto. Da mesma maneira, Vaughn se diverte na composição de seus quadros, criando planos curiosos como aquele no qual Magneto conversa com o gerente de um banco enquanto seu rosto é refletido em uma barra de ouro ou aquele outro no qual o agente vivido por Oliver Platt é surpreendido ao ser teletransportado pelo capanga Azazel (Flemyng, colaborando com o diretor pela quarta vez) para um ponto inesperado.
Com um design de produção inteligente que consegue fazer um belo trabalho de recriação de época ao mesmo tempo em que evoca o universo dos quadrinhos através da utilização de cores básicas (o submarino de Shaw é um bom exemplo), o filme também utiliza bem a trilha sonora, evitando excessos, mas pontuando de maneira bem-humorada determinadas passagens – como, por exemplo, ao empregar um ritmo que remete apropriadamente aos anos 60 na seqüência que traz Xavier e Magneto buscando novos “recrutas”. E se aqui e ali os efeitos visuais tropeçam (o greenscreen utilizado no plano que revela o general russo em Moscou é pavoroso), na maior parte do tempo funcionam bem ao ilustrar os poderes dos personagens de maneira perfeitamente convincente.
Com isso, X-Men: Primeira Classe representa mais um grande triunfo nas empreitadas envolvendo o universo da Marvel, não apenas honrando os longas anteriores, mas também enriquecendo-os em retrospecto. E se há algo que jamais imaginei ser possível é que a única coisa capaz de tornar aqueles filmes ainda mais eficazes seria, vejam só, uma versão “adolescente” dos personagens.
Talvez seja hora de Hollywood tirar Scarface: Jovem e Rebelde da gaveta.
Observação: entre as várias pontas de rostos estabelecidos, há duas que levarão os fãs à loucura."
5) Poesia6) Cópia Fiel
Crítica de Neusa Barbosa, do site Cineweb:
"Quantas línguas fala o amor? Em Cópia Fiel, novo filme de Abbas Kiarostami, pelo menos três – inglês, francês e italiano. Essas várias línguas que se sobrepõem são o símbolo vivo das várias camadas de incompreensão que podem se acumular entre as pessoas, nesta Babel que não é só linguística, mas sobretudo emocional e amorosa.
O tempo é outra questão. Especialmente os tempos do amor, visíveis nos vários casais que aparecem no filme - os jovens noivos apaixonados que se sucedem para uma foto junto a uma estátua tida como portadora de sorte; o par maduro que oscila ao longo de todo o filme (Juliette Binoche e William Shimell); e uma dupla de velhinhos que eles encontram perto do final.
A questão que dá nome ao filme, bem como seu ponto de partida, é o valor do original e de suas cópias, uma discussão emprestada ao mundo da arte mas que muito bem se aplica a tudo o mais. Inclusive aos sentimentos.
Enredando todos estes pontos, o diretor iraniano, em seu primeiro trabalho filmado fora do Irã, teceu em espiral uma narrativa que dialoga consigo mesma – como quando Juliette Binoche discute a natureza do casamento com uma pragmática mulher mais velha (Gianna Giachetti). Da mesma forma, Kiarostami também se nega a entregar muito facilmente a real natureza do relacionamento entre seus protagonistas. Quando o filme começa, eles parecem estranhos unidos pelo acaso. À medida que se desenvolve, aparecem sinais de que existe um antigo relacionamento entre eles.
Essa maneira circular de expor seu tema é o grande segredo da magia do filme, que demonstra o engenho raro de sua direção e de sua dupla principal de atores, conduzindo-se este caleidoscópio de sensações com uma inteligência e sutileza exemplares. Não é o tipo do filme que se vê todos os dias. Mas é certamente o tipo que se deseja imediatamente rever. E que se façam outros.
Uma atração à parte é o roteirista Jean-Claude Carrière, ele mesmo um emérito contador de grandes e criativas histórias, atuando numa sequência bem significativa e divertida, na praça da cidadezinha italiana."
7) Bróder
8) Rango
9) Bravura Indômita
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