Thursday, December 21, 2006

Estréias de 12 de janeiro de 2007

MAIS ESTRANHO QUE A FICÇÃO
(Stranger Than Fiction, EUA, 2006)
Comédia - 113 min.
Direção: Marc Forster
Roteiro de Zach Helm. Produzido por Lindsay Doran para a Columbia Pictures. Elenco: Will Ferrell (Harold Crick), Maggie Gyllenhaal (Ana Pascal), Queen Latifah (Penny Escher), Emma Thompson (Kay Eiffel), Dustin Hoffman (Dr Jules Hilbert), Kristin Chenoweth, Tom Hulce (Dr. Cayly), Linda Hunt, Tony Hale (Dave), Jason Burke (Commuter), Michael Cook (Médico), Eli Goodman (Augustus Chatman), Cheryl Graeff (Secretária), Denise Hughes (Carla), Ora Jones (Recepcionista), Tim Joyce (Estudante).
Sinopse: Esta é a história sobre um homem chamado Harold Crick e o seu relógio de pulso. Harold Crick era um homem de muitos números, cálculos sem fim, e pouquíssimas palavras. E seu relógio de pulso falava ainda menos.
Todos os dias da semana, durante 12 anos, Harold escovava cada um dos seus 32 dentes 76 vezes, sendo 38 vezes para trás e para a frente e 38 vezes para cima e para baixo.
Todos os dias da semana, durante 12 anos, Harold dava um nó simples em sua gravata em vez de um nó duplo e assim economizava 43 segundos. Seu relógio achava que o nó simples deixava o pescoço de Harold mais gordo, mas não dizia nada.
Todos os dias da semana, durante 12 anos, Harold corria a uma velocidade de 57 passos por quarteirão ao longo de 6 quarteirões, quase perdendo o ônibus das 8h17 para o trabalho. Seu relógio de pulso adorava a sensação de vento batendo no seu rosto.
Todos os dias da semana, durante 12 anos, Harold revisava 7.134 arquivos fiscais em seu trabalho como auditor sênior da Secretaria da Receita Federal. Harold almoçava em 45 minutos e 7 segundos e tomava o café em 4 minutos e 30 segundos marcados precisamente pelo seu relógio de pulso.
Harold vivia uma vida de solidão.
Andava para casa sozinho.
Comia sozinho.
E, precisamente às 23h15, toda noite, após colocar seu relógio de pulso descansando na mesinha ao lado, Harold ia para a cama. Sozinho.
Isso foi, é claro, antes daquela quarta-feira.
Se alguém tivesse perguntado para Harold Crick, ele teria dito que aquela era mais uma quarta-feira como qualquer outra. Até que Harold começou a perceber uma voz feminina narrando tudo o que ele fazia, sentia ou pensava. Apesar de sentir-se desconfortável com a tal voz, Harold tentou concentrar-se no trabalho que tinha para fazer como auditor naquele dia, que consistia em fazer uma visita a uma confeitaria para avaliar a situação fiscal do estabelecimento.
Foi assim que Harold conheceu Anna Pascal, a confeiteira ativista, que pagou 78% das suas taxas devidas porque concordava somente com 78% do orçamento ao qual seus impostos eram destinados. Ela não concordava com gastos como compras de armamentos para a defesa nacional nem com as despesas dos fundos para campanhas políticas e por isso sonegara deliberadamente o restante de seus impostos, enviando junto com sua declaração uma carta explicando seus motivos intitulada "Carta ao Porco Capitalista".
Harold continuava perturbado com a voz feminina que insistia em acompanhá-lo e mais ainda quando a voz disse as palavras "...ele mal sabia de sua morte iminente...".
Disposto a descobrir a origem da misteriosa voz narradora, Harold procurou o professor de teoria literária Jules Hilbert, que tentaria descobrir de qual livro Harold é personagem.
Enquanto isso, a escritora Karen “Kay” Eiffel, conhecida por matar os personagens principais em seus livros, sofre um bloqueio criativo quando está prestes a terminar seu mais novo romance, intitulado "Morte e Taxas".



Site Oficial: http://www.sonypictures.com/homevideo/strangerthanfiction/




ATO TERRORISTA
(The War Within, EUA, 2005)
Drama - 90 min.
Direção: Joseph Castelo
Sinopse: O jovem paquistanês muçulmano Hassan (Ayad Akhtar) é um pacato estudante de engenharia em Paris. Seu destino sofre uma tremenda reviravolta quando, levado à força para seu país, passa por sesões de tortura e um processo intenso de levagem cerebral. Anos depois, ele vai à Nova York sob o pretexto de reencontrar um velho conterrâneo (Firdous Bamji). Mas Hassan tem segundas intenções em território americano. Treinado para ser homem-bomba, pretende explodir uma movimentada estação de trem e o metrô.
Notas da Crítica:
Érico Fuks, Cinequanon: 3/5
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 3/5

Remio Ximenes, Cine Net: 3/5
Ricardo Coelho, Sobrecarga: 3/5

Anahi Borges, Cinequanon: 1/5
Carlos Dunham, Sobrecarga: 1/5

ÍNDICE NC: 4,67 (6)

O PASSAGEIRO- SEGREDOS DE ADULTO
(Brasil, 2006)
Drama - 105 min.
Direção: Flávio R. Tambellini
Roteiro de Cesário Mello Franco, baseado em livro de Cesário Mello Franco. Elenco: Antonio Calloni (Mauro), Giulia Gam (Ângela), Carolina Ferraz (Carmen), Bernardo Marinho (Antônio), Luiza Mariani (Cristina).
Sinopse: O mundo ilusório e lírico do adolescente Antônio que, confrontado com a morte do pai, o banqueiro Mauro, é obrigado a entender o mundo adulto e as inúmeras dificuldades inerentes à vida. A inexperiência e a revolução hormonal da adolescência são elementos que se chocam com a realidade aparentemente fria e insensível dos adultos. Diante do vácuo deixado pela morte do líder da família, Antonio terá de assumir o comando de sua própria vida. Um filme sobre a relação entre pais e filhos, com suas respectivas frustrações e incompreensões.
Notas da Crítica:
Rodrigo Campanella, Pílula Pop: 80/100
Rodrigo Soares, Cinepop: 4/5
José Geraldo Couto, Folha Ilustrada: 3/4
Débora Berldo, CineNet: 3/5
Gabriel Gurman, Sobrecarga: 3/5
Alessandro Giannini, SET: 5/10
Alysson Oliveira, Cineweb: 2/5

Cesar Zamberlan, Cinequanon: 2/5
Marcelo Miranda, Cinequanon: 2/5
Pablo Villaça, Cinema em Cena: 2/5

Erico Fuks, Cinequanon: 1/5

UMA NOITE NO MUSEU
(Night at the Museum, EUA, 2006)
Direção: Shawn Levy
Elenco: Ben Stiller (Larry Daley); Carla Gugino; Kim Raver; Mickey Rooney; Dick Van Dyke; Bill Cobbs; Robin Williams (Theodore Roosevelt); Ricky Gervais; Owen Wilson; Paul Rudd; Steve Coogan.
Sinopse: Larry Daley, divorciado e pai de um garoto de 10 anos (Nicky), precisava urgentemente de arranjar um emprego onde pudesse manter-se estável para ganhar o respeito do filho, que passava a maior parte do tempo na casa da mãe advogada e do namorado dela, um investidor do mercado de ações.
É assim que Larry se candidata a uma vaga de vigia noturno no Museu de História Natural.
Logo na primeira noite de trabalho, Larry se surpreende quando encontra o esqueleto de tiranossauro rex se refrescando no bebedouro do corredor. É só a primeira das surpresas de uma noite em que ganharão vida os bonecos de cera de Átila e dos hunos e dos homens pré-históricos, os animais mamíferos africanos empalhados, as miniaturas das diligências do Velho Oeste Americano e dos exércitos romanos, as estátuas da Ilha de Páscoa, do presidente Roosevelt e muito mais atrações do museu que foram enfeitiçadas desde a chegada ao museu, em 1952, de uma misteriosa peça egípcia, a Tábua de Akhmenrah.
Notas da Crítica:
Rui Pedro Tendinha, Premiere: 4/5
Odair Braz Jr., Herói: 7,5/10
Alex Xavier, Guia do Estadão: 7/10
Ricardo Matsumoto, SET: 7/10
Silmara Siqueira, Comuny: 3,5/5
Sérgio Rizzo, Folha de São Paulo: 6,5/10
Kleber Mendonça Filho, Cinemascopio: 2,5/4

Carlos Eduardo Corrales, Delfos: 3/5
Andrea Don, Cinepop: 3/5

Francisco Ferreira, Premiere: 3/5
Gabriel Carneiro, Os Intocáveis: 3/5
José V. Mendes, Premiere: 3/5
Pablo Villaça, Cinema em Cena: 3/5
Christian Petermann, Guia da Folha: 5/10
Ludmila Azavedo, Jornal da Tarde: 5/10
Miguel Barbieri, Veja SP: 5/10
Sérgio Rizzo, Folha Ilustrada: 2/4
Carlos Dunham, Sobrecarga: 2/5
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 2/5
Ricardo Coelho, Sobrecarga: 2/5

Rubens Ewald Filho, Cinema UOL: 2/5
Luiz Z. Oricchio, O Estado de São Paulo: 3/10
Bruno Amato Realme, O Negativo Queimado: 1/4

Cassio Starling, Folha Ilustrada: 1/4
Gilberto Silva Jr., Contracampo: 1/4
Ruy Gardnier, Contracampo: 1/4
JBeto, Cine do Beto: 1/5
Michel Arouca, Sobrecarga: 1/5

Marcus Mello, Revista Teorema: 0/4

12 comments:

airtonshinto said...

NEUSA BARBOSA, do site Cineweb:
"Alemão radicado na América, o diretor Marc Forster comprova merecer um lugar entre os jovens diretores mais talentosos da América. Forster marcou seu território na selva de Hollywood com o áspero A Última Ceia, que deu o Oscar de melhor atriz a Halle Barry. Mudou de tom em Em Busca da Terra Nunca (2005), criando uma fantasia encharcada de poesia e humanidade ao explorar os bastidores da história de Peter Pan.
Em Mais Estranho que a Ficção, mais uma vez ele viaja pelos meandros da criação literária, contando com o roteiro altamente original de Zach Helm – um estreante em cinema, depois de poucas experiências em TV. A história de um fiscal de imposto de renda, Harold Crick (Will Ferrell), às voltas com uma voz feminina que não sai de sua cabeça, torna-se, em suas mãos, um veículo capaz de apertar os botões da imaginação do público. Como na primeira cena em que aparece a escritora Kay Eiffel (Emma Thompson, em atuação primorosa). No alto de um prédio, ela parece um anjo manipulando os destinos dos minúsculos mortais lá embaixo.
Sem poderes sobrenaturais, como se pode pensar a partir desta primeira impressão, Kay realmente tem poderes de vida e morte - pelo menos sobre Harold. Na verdade, ele nada mais é do que o protagonista do novo romance que ela está escrevendo, Morte e Impostos.
A maior qualidade da história é explorar vários caminhos inusitados pelos quais criador e criatura tentam se comunicar. Para isso, terão a mediação de vários intermediários. O principal deles, Jules Hilbert (Dustin Hoffman), um professor de teoria literária a quem Harold recorre, procurando uma explicação para a inquietante voz feminina que ouve e que descreve perfeitamente todas as suas ações e pensamentos antes que aconteçam.
Depois de descartar a idéia mais natural, de que Harold é maluco de pedra (coisa que dois psicólogos que ele procurou assinam embaixo), Hilbert coloca seus conhecimentos a serviço de sua investigação. Ou seja, dá elementos para que Harold tente descobrir a que tipo de história pertence sua vida. Especialmente se se trata de uma tragédia ou comédia.
Tudo indicava, pela vida monótona e insuportável de Harold, que ganharia a primeira alternativa. Mas depois que ele conhece uma irreverente padeira, Ana Pascal (Maggie Gyllenhaal), os acontecimentos incorporam uma aura imprevisível.
A única personagem que parece não ter muita função mesmo é Penny (Queen Latifah), assistente enviada pela editora em pânico com o bloqueio criativo de Kay – que hesita sobre o final do livro e está perdendo todos os prazos.
É muito bom que o filme não se prenda a nenhum gênero em particular, brincando com as possibilidades e clichês de cada um. Permite, assim, que os espectadores cansados de mesmice saiam do piloto automático que às vezes os contamina depois de uma dieta de filmes muito repetitivos.
Muitos podem enxergar um parentesco da história com Adaptação, roteiro de Charlie Kaufman. O que não é despropositado. A vantagem é que Mais Estranho do que a Ficção mostra-se mais fluente e mais encharcado de humanidade. Estas pessoas são bem mais reais do que no roteiro de Kaufman, mesmo que a premissa seja da mais pura fantasia.
Merecidamente, o filme venceu o prêmio de melhor roteiro da National Board of Review e teve uma indicação ao Globo de Ouro, de melhor ator de comédia/musical para Will Ferrell - que aqui abre mão totalmente de seus recursos histriônicos, dos quais ele abusa na comédia Um Duende em Nova York."

airtonshinto said...

ISABELA BOSCOV, VEJA, 10 de janeiro de 2007:
"Em 1995, na sua primeira temporada no Saturday Night Live, Will Ferrell foi votado pelo público como o pior comediante da história do programa. Sete anos depois, quando deixou o posto, foi eleito pelo voto popular o melhor nome de todos os que passaram pelo humorístico, tirando do páreo concorrentes como John Belushi e Steve Martin. Há duas explicações possíveis para essa discrepância, e uma não exclui a outra: Ferrell é um gosto que se adquire; e ele é capaz de se adaptar, se aprimorar e aprender. Em Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction, Estados Unidos, 2006), (...), a validade da segunda hipótese fica especialmente evidente. Pela primeira vez, Ferrell se mostra menos um cômico e mais um ator. No filme dirigido por Marc Forster, de A Última Ceia e Em Busca da Terra do Nunca, ele interpreta Harold Crick, um descolorido fiscal da Receita que, na falta de qualquer outro sentido mais claro para a vida, o substitui por números e método. Harold escova os dentes 36 vezes na vertical, e outras 36 vezes na horizontal. Cronometra até a casa dos segundos o horário em que deve estar no ponto do ônibus, e dá na gravata um nó Windsor simples, porque o nó duplo consumiria todo um outro minuto do seu dia. A razão pela qual esses hábitos se tornam tão transparentes para ele e para a platéia é que, em dado momento, Harold começa a ouvir uma voz dentro da sua cabeça – uma voz de mulher, inglesa, que narra cada um dos seus gestos com mais estilo, e melhor escolha de palavras, do que ele próprio estaria apto a empregar.
Com a ajuda de um professor de literatura (Dustin Hoffman), Harold descobre que passou a ser o personagem de um romance que está sendo escrito por Kay Eiffel (Emma Thompson). Em grave crise existencial e criativa, a novelista luta para terminar o trabalho da forma pela qual é conhecida – matando o protagonista. Harold, naturalmente, quer convencer Kay a mudar o desfecho. E o filme, escrito com consideráveis esperteza e doçura pelo roteirista Zach Helm, tem de mostrar então por que ela deveria, ou não, alterar sua obra-prima para impedir o fim prematuro de um homem tão insignificante. A resposta a esse impasse está acima de tudo na atuação de Ferrell, que dá à sua persona habitual, a do tolo que não sabe que é tolo (sua imitação de George W. Bush é célebre), todo um novo sentido dramático: o de que mesmo as pessoas das quais se costuma desdenhar podem conter lances insuspeitos de grandeza. O que vale para o personagem, e também para seu ator."

airtonshinto said...

MARCELO HESSEL, do site Omelete:
"Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction, 2006) é o novo Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993). Ambos recorrem a estruturas de comédia romântica e realismo fantástico para falar sobre a arte de contar histórias.
Nos dois filmes, os personagens principais ficam sem ação diante de um fenômeno: há alguma força maior controlando as suas vidas (e não é o destino). No filme que Harold Ramis dirigiu em 1993, Bill Murray reprisava o papel de homem pasmado que sempre o marcou. Em Mais Estranho que a Ficção, ao contrário, o comediante Will Ferrell experimenta o seu primeiro personagem apalermado, acrescentado a uma rica galeria de tipos histéricos e cartunescos.
É também a primeira comédia dita inteligente da carreira de Ferrell. Na trama metalingüística ele vive Harold Crick, cobrador de impostos da Receita Federal que surta quando a sua vida começa a ser contada por uma voz que só ele consegue ouvir. A narradora, Kay Eiffel (Emma Thompson), luta para completar o que pode ser seu melhor livro, ápice de uma carreira de romances trágicos. Kay só não percebe que o seu protagonista está vivo e incontrolavelmente guiado por suas palavras.
Escrito pelo bom estreante Zach Helm, o roteiro ganha ares de contagem regressiva quando Harold descobre que Kay planeja matá-lo no final do livro. Há no caminho uma paixão, aparentemente incompatível (não há melhor paixão nas comédias românticas do que a incompatível). Bill Murray precisou viver o mesmo dia indefinidamente para ver que amava Andie McDowell. E o Harold Crick de Ferrell precisou ter uma vez dentro de sua cabeça, narrando seus atos e antecipando a sua morte, para perceber que estava jogando a vida fora.
Apoiado nos excelentes diálogos de Helm e na estrutura narrativa familiar ao espectador, o diretor Marc Forster (A última ceia, Em busca da Terra do Nunca) vira do avesso o batido mote do loser-que-desabrocha. O cinema indie de Hollywood tem forte tendência à fracassomania - quanto mais desgraçado o personagem principal mais bonita será a sua volta por cima. Forster subverte a situação com ironia: até o próprio Crick sabe que é um perdedor, porque há uma voz, contando sua história, que não pára de repetir isso.
A autoconsciência é a grande chave do filme. Somente ao entender a sua própria situação Crick tem a chance de domá-la. Nesse ponto, não há metalinguagem maior: onisciente, o personagem deixa de ser marionete do contador de história. Isto é, destronar o narrador da confortável posição de tirano - todo narrador é tirano, inclusive Kay Eiffel, e alguns, como os Paul Haggis e os Alejandro Iñárritu da vida, são mais que os demais - é o jeito de Harold Crick tomar para si os rumos de sua jornada."

airtonshinto said...

GABRIEL GURMAN, do site Sobrecarga:
"Vamos começar pelo começo. As traduções de nomes de filmes estrangeiros para o português são muitas vezes questionadas. Alguns casos onde a tradução não é “ao pé da letra”, o resultado é realmente sofrível (impossível não pensar em As Patricinhas de Beverly Hills - Clueless,1995 - ou no recente O Homem Duplo - A Scanner Darkly, 2006). Já em outros casos, onde apenas se traduz o título original, o resultado pode acabar não gerando o mesmo efeito. Um exemplo é o filme Mais Estranho que a Ficção, dirigido por Marc Foster (A Passagem, Em Busca da Terra do Nunca). Seu título original (Stranger than Fiction) é uma expressão bastante utilizada na língua inglesa e que, aliás, já foi nome de um CD da banda Bad Religion.
A frase foi sacada de uma citação de Mark Twain que disse "A verdade é mais estranha que a ficção, pois a ficção é obrigada a estar ligada nas possibilidades, a verdade não” . Em uma terra distante das idéias de Twain, sua tradução acaba causando um certo estranhamento. Mas como o assunto aqui não é o título dos filmes e sim os conteúdos, é melhor seguirmos em frente.
Mais Estranho que a Ficção trata da vida de Harold Crick, (Will Ferrel) um solitário fiscal do imposto de renda que tem uma vida meticulosamente planejada, minuto a minuto. Sua doentia rotina acaba quando a voz da narradora do filme invade a vida do personagem. Ou seja, seu dia-a-dia passa a ser narrado, dentro de sua cabeça por uma voz feminina. Se já não fosse o bastante, a estranha voz também antecipa algumas ações de Harold, fazendo com que, o homem que vivia uma vida de certezas, fique completamente atordoado ao sentir que sua vida não está nas próprias mãos.
Desesperado para ser novamente dono de seu destino, Crick acaba indo pedir ajuda ao professor de crítica literária Jules Hilbert (Dustin Hoffman). A partir de alguns métodos duvidosos Jules acaba sugerindo a Crick que ele separe os momentos de sua vida que estão mais ligados à tragédia e aqueles que remetem à comédia, para então conseguir traçar o que acontecerá de sua vida dali em diante. Essa vida dentro da arte nos remete diretamente ao filme Melinda e Melinda, de Woody Allen. Para quem não se lembra, no filme de Allen, dois roteiristas cinematográficos criam, a partir de uma mesma personagem, uma história trágica e outra com final feliz. Vale lembrar que Will Farell também fez parte do elenco.
Inesperadamente, acabamos conhecendo a dona da voz. É Karen Eifrel (Emma Thompson), uma famosa escritora, mas que está passando por um bloqueio criativo que já dura dez anos. Longe do glamour dos grandes escritores, Karen é extremamente excêntrica e autodestrutiva, parecendo já ter perdido toda sua sanidade.
Apesar de uma premissa interessante, onde após uma “intervenção divina” o homem possa se redescobrir, (Tema que remete ao clássico A Felicidade Não Se Compra, de Frank Capra) o grande problema do filme é que o roteiro, escrito por Zach Helm, “auxiliado” pela ágil direção de Foster, acaba parecendo uma má cópia de filmes roteirizados por Charlie Kaufman, como Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e, principalmente, Adaptação.
Somada a essa sensação, diferente dos ótimos trabalhos de Jim Carrey e Nicolas Cage, a inexpressividade de Will Ferrel faz com que não criemos uma sensiblidade aos tormentos da vida do personagem. Na verdade, pouco importa se este homem está fadado à tragédia ou à comédia, é apenas uma vida desinteressante. O único destaque é Emma Thompson, que andava meio longe das telonas. É ela quem mais cativa o espectador, quem nos faz permitir pensar que a escritora pode fazer o que bem entender com seu personagem. O importante é que a tragédia, mesmo que não seja uma ficção, é que pode tornar seu livro uma obra prima e, por mais estranha que ela seja, não deve ser alterada."

airtonshinto said...

PABLO VILLAÇA, do site Cinema em Cena:
"Há algo de especial em Mais Estranho que a Ficção: o filme tem suas falhas óbvias, um desfecho relativamente decepcionante e ao menos uma personagem completamente desnecessária (vivida por Queen Latifah), mas, apesar disso, consegue desenvolver sua história de forma sempre interessante e com uma sensibilidade que certamente surpreenderá aqueles que forem ao cinema esperando assistir a uma comédia (algo que este longa não é). Criando um universo que se move de acordo com suas próprias regras e mergulhado em auto-referências, Mais Estranho que a Ficção poderia perfeitamente figurar em uma antologia que contasse com obras como O Show de Truman, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças e Adaptação – e, mesmo que levemente inferior a estes títulos, o novo trabalho do diretor Marc Forster não faria feio ao lado dos “colegas”.
Escrito por Zach Helm, o roteiro conta a história de Harold Crick (Ferrell), um auditor da Receita Federal que, certo dia, passa a ouvir uma voz que parece narrar todas as suas ações e pensamentos. Levando uma vida entediante cujo momento mais dramático ocorreu ao ser abandonado pela noiva (que, é claro, fugiu com um atuário), Harold busca a ajuda de um mestre em literatura, pois acredita ser o personagem de alguma narração – que se torna bem mais tensa quando ele descobre que a “autora” pretende matá-lo brevemente. Infelizmente, ele tem razão: na verdade, a voz que o sujeito ouve pertence à célebre escritora Kay Eiffel (Thompson), famosa por suas tragédias e que não tem a menor idéia de que Harold é um homem real que pode escutá-la.
Utilizando a metalinguagem como base de sua narrativa, o filme consegue algo raro: fazer uso da narração em off com inteligência e de maneira sempre orgânica à trama. A partir do instante em que começa a ouvir a voz de Eiffel, o protagonista percebe que pode não ser dono de sua própria vida e, portanto, tenta assumir o controle da história – mesmo que isto se limite a trancar-se em seu apartamento numa tentativa desesperada de impedir que a trama continue a se desenvolver. E é um alívio que o roteiro jamais tente explicar a estranha ligação entre Harold e a escritora, já que isto não faria diferença alguma e poderia até mesmo enfraquecer o filme (já bastam os vários longas que usam desculpas esfarrapadas como biscoitos da sorte, maldições feitas por ciganas raivosas, frases ditas simultaneamente por dois personagens, etc). Aliás, até mesmo a natureza do professor de literatura vivido com brilhante ironia por Dustin Hoffman é deixada em aberto: por que, afinal de contas, ele acredita na história absurda de Harold e se dedica até mesmo a compilar uma lista de possíveis autores cujas vozes este poderia estar escutando? Simples: por que isto é necessário para que a trama caminhe e, afinal de contas, nenhuma explicação poderia ser realmente plausível, considerando-se o absurdo da premissa básica do filme – assim, para que inventar uma? Basta que o espectador compreenda e aceite a lógica interna da história para que tudo faça sentido.
Vale dizer, a propósito, que Mais Estranho que a Ficção demonstra ter uma confiança admirável na inteligência de seu público: além de apostar em nossa capacidade de não exigir respostas desnecessárias, ele não tenta martelar em nossa cabeça o tom de sua narrativa. Sim, é claro que sua premissa é divertida por natureza e que a presença de Will Ferrell tende a levar o espectador a assumir que o riso é a principal preocupação dos realizadores; ainda assim, o diretor Marc Forster conduz a história com calma, sem histrionismos, permitindo que mergulhemos sozinhos no clima de melancolia que atravessa o filme. Sem jamais se render ao óbvio, Forster opta por construir pequenos momentos de humor através de marcações inesperadas (como o movimento constante da cadeira que Ferrell ocupa em um ônibus), descartando sem pena outras piadas já prontas (quando o protagonista explica quem é para uma recepcionista, imediatamente esperamos um corte brusco que levará a um plano no qual ele é atirado para fora do prédio; em vez disso, ele sai calma e tristemente do edifício). Da mesma maneira, o cineasta encontra uma solução visual interessante para retratar a obsessão de Harold com a exatidão matemática, incluindo gráficos que ilustram os processos mentais do personagem – cujo apartamento, diga-se de passagem, é de uma impessoalidade atordoante, refletindo também a falta de calor humano da residência da escritora que o “criou” (um toque brilhante da equipe de direção de arte). Aliás, Forster continua a provar sua versatilidade, em nada lembrando o diretor responsável por filmes como A Última Ceia, Em Busca da Terra do Nunca e A Passagem.
Enquanto isso, Will Ferrell também aproveita a chance de demonstrar sua capacidade de encarnar tipos mais sérios e transforma Harold Crick em um homem triste cuja introspecção é mais do que um traço de caráter; é uma armadura contra o mundo. Metódico e emocionalmente reprimido, o auditor é o tipo de homem capaz de guardar as meias cuidadosamente dentro dos sapatos antes de se entregar ao sexo – uma atividade que provavelmente não experimentava há anos. Já Emma Thompson abandona qualquer traço de vaidade ao viver Kay Eiffel como uma mulher cujo talento literário (e seus textos descritivos são, de fato, belíssimos) é inversamente proporcional ao seu traquejo social – e há algo de irônico na forma poética com que ela descreve o mais prosaico dos atos; é como se reconhecesse a falta de emoções na própria vida e as substituísse por um preciosismo estilístico belo, mas frio. E se Queen Latifah, como já dito, é obrigada a interpretar uma personagem que não faria a menor falta ao filme, Maggie Gyllenhaal confere energia e calor humano à confeiteira Ana Pascal – duas qualidades que a contrapõem diretamente a Harold. Finalmente, é sempre bom ver intérpretes como Linda Hunt e Tom Hulce em ação, mesmo que em cenas breves e pouco memoráveis.
Tematicamente rico, Mais Estranho que a Ficção é um filme que merece ser discutido após a sessão – e não é à toa que, em certo momento, o personagem de Ferrell assiste ao genial O Sentido da Vida, do Monty Python: afinal, em uma história igualmente ilógica, é isto que o sujeito está buscando. Centralizando a narrativa em torno de dois indivíduos que levam existências vazias, substituindo a convivência social por seus próprios universos particulares (a literatura e a matemática), o longa é um manifesto contra sonhos não realizados e um toque de despertar para pessoas que se esqueceram (ou que nunca conheceram) o prazer de viver. No entanto, ao mesmo tempo o roteiro nos apresenta uma questão ainda mais intrigante e que, de certa forma, se contrapõe à importância do indivíduo, o que não deixa de ser fascinante: ao estabelecer a eternidade da Arte e a efemeridade do Homem, Mais Estranho que a Ficção parece questionar o que é mais importante – um tema abordado tangencialmente pelo recente Filhos da Esperança. Se a morte de Harold Crick resultasse na criação de uma obra-prima que pudesse inspirar a Humanidade por séculos e séculos, não seria um sacrifício válido? Afinal, já que milhares de vidas são jogadas fora em guerras e outras tragédias sociais, como alguém poderia se negar a morrer em prol de algo realmente maior ou, digamos, espiritualmente mais elevado? É claro que, como indivíduos, queremos viver pela maior quantidade de tempo possível, mas o fato é que todos morreremos eventualmente – se pudéssemos escolher, assim, uma morte “lírica e significativa” (como descreve o personagem de Hoffman), não seria esta uma oportunidade a ser aproveitada?
E é aqui que sou obrigado a pedir que os leitores que ainda não assistiram a Mais Estranho que a Ficção retornem a este texto depois que o fizerem, já que uma análise completa do filme exige um comentário sobre o destino de Harold Crick. Portanto, vamos lá (último aviso!): ao constatar que a obra de Kay Eiffel só se tornaria completa com sua própria morte, Crick toma a decisão de permitir que isto aconteça, numa postura digna de uma alma repleta de poesia – e é comovente perceber que aquele homem tão apagado, racional e sem vida é capaz de compreender a necessidade do auto-sacrifício pela Arte (aliás, esta sua transformação representa a alma de Mais Estranho que a Ficção). Em contrapartida, fica claro que o roteirista Zach Helm, numa curiosa ironia do destino, colocou-se no mesmo dilema que sua personagem Kay Eiffel: seu afeto por Harold Crick não o deixa levar adiante o sacrifício que o próprio protagonista aceitara.
Infelizmente, esta fraqueza dos dois autores (o real e a fictícia) compromete a qualidade das duas obras (o filme e o livro-dentro-do-filme), já que nem sempre o desfecho mais satisfatório (leia-se: feliz) é o mais eficaz ou apropriado. O fato é que Harold deveria morrer – e por mais que o roteiro tente justificar sua salvação, o resultado decepciona por reconhecermos sua incompatibilidade com o restante da narrativa. Ao longo de Mais Estranho que a Ficção, lembrei-me várias vezes do roteirista Charlie Kaufman, cujos trabalhos certamente serviram de inspiração a Zach Helm. A diferença é que Kaufman não hesitaria em matar Harold Crick. Afinal, de que vale a felicidade efêmera de um personagem diante da importância de uma obra de Arte?"

airtonshinto said...

KLEBER MENDONÇA FILHO, do site Cinemascopio:
"Filme que sofre seriamente do fator déjà vu, mas não é exatamente terrível como programa, é Mais Estranho Que a Ficção (Stranger Than Fiction, EUA, 2006), que divide questões temáticas com uma dezena de filmes, incluindo o curta pernambucano Lugar Comun (2002), de Leo Falcão, que, por uma coincidência, pode ser visto no multiplex Recife na sessão de curtas das 18 horas, diariamente. Temos a idéia do escritor que percebe que sua cria ganhou vida e vontades próprias.
Emma Thompson (afetada, especialmente às voltas com cigarros) é Kay Eiffel, uma escritora famosa que sofre para achar um fim para o seu novo romance, intitulado Morte e Impostos. É acompanhada no filme por uma personagem 100% sudesenvolvida e também inútil, uma especie de agente de alguma seguradora (Queen Latifah) que irá garantir que a autora vai conseguir terminar o livro dentro do cronograma estabelecido pela editora. A presença de Latifah é o maior mistério do filme, no mau sentido.
Toda vez que Eiffel lê o que escreveu, seu personagem principal (na página) Harold Crick (Will Ferrell), auditor fictício da receita federal, ouve a voz da sua criadora dentro de sua cabeça, o que o leva a desconfiar de que talvez sua vida esteja sendo narrada em terceira pessoa. Harold procura Jules Hilbert (Dustin Hoffman), um professor de literatura que vira o seu consultor narrativo.
Certa de que a única maneira de concluir o romance é matando o seu personagem principal, a escritora só precisa descobrir como. Instruído por Hilbert sobre a possível vocação da sua autora pela tragédia, Crick entra em parafuso justamente por descobrir-se apaixonado por uma exímia doceira de estilo alternativo (a sempre interessante Maggie Gyllenhaal). Descobre ele que gostaria de protagonizar uma comédia, e não uma tragédia.
O diretor Marc Foster fez o adocicado Em Busca da Terra do Nunca, com Johnny Depp, e toca Mais Estranho do Que a Ficção com um curioso toque literário que faz do seu filme versão mais diluída de Descontruinddo Harry (1997) ou Melinda Melinda (2004), ambos de Woody Allen. Esse toque literário não deixa de chamar a atenção numa era onde esse tipo de exercício é mais voltado para o audiovisual em obras recentes que mostram personagens tentando se libertar dos destinos que criadores reservaram para eles, como em The Truman Show (1998), de Peter Weir, ou Adaptação (2002), de Spike Jonze.
Chama a atenção como a artista em questão se diz satisfeita com um "bom" e não um "sublime", e um personagem com o amor, e não com o seu fim. Como resultado, temos uma obra medianamente envolvente, que celebra a vida como mais importante que a arte e a mediocridade como substituta para a grandeza. Soa coerente com o filme. "

airtonshinto said...

ALEXANDRE WERNECK, do site Contracampo:
"Quando resolve viver a vida, depois da descoberta de que vai morrer, Harold Crick vai ao cinema. Na tela, vê O Sentido da Vida, do Monty Python. É uma comédia. Uma das mais celebradas já feitas, aliás. Ele ri. Será a única vez que rirá no filme.
Momento sugestivo em um filme que é supostamente também uma comédia. Mas, veja: é uma comédia cujo protagonista acaba de saber que vai morrer. Em que, apesar de mostrar-se feliz nos momentos em que se encontra com sua amada, esse protagonista não ri. No filme, ele ou está perplexo ou está de fato arrasado diante da perspectiva da morte. E, de fato, há pouco do que rir em Mais Estranho que a Ficção. Não por uma suposta ineficiência de sua operação cômica, mas é porque ele é montado mesmo como uma comédia triste. Aliás, de comédia, o filme guarda mais a definição estrutural, a idéia de subversão da lógica do drama e da tragédia. No horizonte, então, coloca-se um conflito sobre que estatuto dar aos acontecimentos, no horizonte de uma padronização: notícias de morte são para fazer chorar, ainda que num ambiente de riso. Enterro de palhaço também traz luto ao circo.
E uma operação metalingüística está não apenas nessa construção estrutural que coloca no filme cenas mais torcidas para o lado do absurdo do que da gag (como a da demolição da fachada do prédio por engano ou os encontros com o professor de literatura ou mesmo a própria apresentação do inusitado plot). Essa metalinguagem transparece também, por exemplo, no casting, ao se utilizar Will Ferrell, sobre quem pesa uma imagem muito mais forte como comediante do que como ator, e Queen Latifah, que tem ocupado papel de alívio cômico em comédias e dramas e fez de seu rosto uma imagem familiar ao riso.
Se essa operação de casting, entretanto, ocupa um lugar de clichê em um universo de elencamento que, no cinema americano, tem feito o trânsito de comédia para drama para atores associados ao primeiro gênero - com Jim Carrey, Adam Sandler e Jack Black como exemplares mais habituais e recentes dessa mecânica -, ela ao mesmo tempo se torna um dos elementos mais determinantes na operação do filme. Chapliniano/keatoniano, Ferrell se dá ao filme como um elemento de um sistema, mais do que como ator. Por mais, inclusive, que ele imprima dramaticidade ao papel - a cena em que ele se resigna a morrer pelo bem do livro é feita sem nenhum exagero e não poderia mesmo ser considerada uma situação cômica -, é pelo jogo duplo de atuação-dramática-de-ator-de-comédia que se dá tal funcionalidade.
É, então, uma metáfora sobre a morte e sobre como sobreviver a sua eminência: em certa medida, Harold Crick poderia ter câncer ou ser um condenado, sua reação em busca da autora não é muito diferente da de um enfermo que busca a cura ou de um executando que busca por clemência. E é uma tentativa de uma narrativa doce - porque fantasiosa - sobre ela. E não porque seja um filme “existencialista”, mas porque ele faz uma eficiente articulação entre vida e mitificação, a partir justamente do jogo com a disparidade entre timing de comédia e timing de drama.
Uma boa demonstração disso é a cena em que a escritora descobre que seu personagem existe. Inconsciente do fato de que escreve a história de um personagem que existe de fato - e sobre cuja vida (e morte) ela desconhece ter poder - ela, ao mesmo tempo, ao escrever a passagem derradeira de seu livro, parece saber, parece participar de um plano determinado: o telefone toca em resposta a sua datilografia. Toca mais uma vez. Mais outra. Ela pede que a assistente não atenda. Ela mesma resolve atender. Autora, mas também determinada por um outro autor.
Trata-se, então, de uma tragédia, no sentido grego. O protagonista se digladia com o destino, com as determinações superiores, sem que haja um antagonista formal. Ao mesmo tempo, sua única fonte de delícia é a mesma fonte de terror: é a morte que lhe abre as portas para o amor. Há, entretanto, um outro hemisfério no filme e que soa inexplicável. A mise en scène aposta em uma visualidade a começar límpida, iluminada e, um passo adiante, por um conjunto de anotações visuais com uma nítida lógica digitalizante. Se colabora para a atmosfera de irrealidade que se quer imprimir para promover a ambigüidade entre narrativa ficcional e narrativa real(ista), o recurso ao mesmo tempo dá ao projeto visual do filme uma forte incoerência. A uma autora que escreve seu livro em uma máquina de escrever, a direção de arte junta ícones de feição computacional. É como se todo o universo do filme estivesse embarcado em um Macintosh. E isso vai além, chega à semiose: produz um efeito semelhando ao de vermos um avião a voar em um filme passado no século XVIII.
Além disso, filme-para-toda-a-família, ele não consegue escapar da conclusão edificante. Por isso, fecha-se ao trágico e, ao mesmo tempo, às possibilidades que a exploração da morte iminente abrem, sobretudo em uma história dotada de licença por se ambientar no plano do fantasioso.
Parece ser o problema desse novo gênero comédia-dramática-americana-do-absurdo (uma fauna de seres como Quero ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de um Mente sem Lembranças, os três roteiros de Charlie Kaufman, ou, anteriormente O Show de Truman): parte-se de um plot absolutamente inusitado, mas não se mantém a coragem de sustentar o absurdo, o plot habitualmente se converte em racionalização. Mesmo que isso não tenha exatamente comprometido nenhuma dessas obras, parece ser o grande problema de Mais Estranho que a Ficção, o que mais radicalmente cede à imposição de limites."

airtonshinto said...

DANIEL OLIVEIRA, do site Pílula Pop:
"1- o branco do apartamento da escritora Kay Eiffel, lembrando o tempo todo de seu bloqueio criativo;
2- os enquadramentos abertos do fiscal da receita Harold Crick, mostrando seu “isolamento”, já que só ele escuta a narradora de sua vida; e
3- e a pequena seqüência da psiquiatra que diagnostica Crick com esquizofrenia, enquanto os dois são enquadrados com seus respectivos reflexos na mesa de vidro,
não deixam dúvida. Marc Forster é um cineasta do primeiro grupo. Entre ótimos (Em busca da Terra do Nunca) e bons (A última ceia) trabalhos, ele sempre imprime uma linguagem visual extremamente significativa aos seus filmes, que fazem valer mesmo o roteiro mais bobinho (A passagem).
O que nem é o caso de “Mais estranho que a ficção”. O roteirista estreante Zach Helm conta a história do tal Harold Crick (Ferrell), que descobre que sua vida monótona é, na verdade, um livro. E a autora Kay Eiffel (Thompson) pretende matá-lo no final. Com a ajuda do professor de literatura Hilbert (Hoffman), o protagonista tenta reverter o status de tragédia de sua vida para uma comédia, a fim de conseguir um final feliz para a bagunça.
E se Crick é obcecado por Matemática, nem precisa ser gênio para resolver a equação aqui. Junte a boa idéia acima a três ótimas atuações. Um contido Will Ferrell, que diverte silenciosamente, e sem caretas, como na cena com o técnico de RH. Uma angustiada Emma Thompson, que torna brilhante mesmo uma cena piegas, como quando Eiffel sofre pelos personagens que já matou. E um Dustin Hoffman que transforma o velho-sábio-Morgan-Freeman em um imprevisível rouba-cena.
Divida por duas coadjuvantes-muleta. A assistente (Latifah) e a namorada (Gyllenhaal) são por demais esquemáticas, mas não comprometem. E multiplique por uma trilha sonora que dita perfeitamente o ritmo do longa. Resultado: um filme envolvente e agradável de se assistir.
Forster faz um Charlie Kaufman mais leve, mas não superficial. Mesmo a comédia romântica clichê entre Crick e a confeiteira está ali porque ele precisa dela para se salvar. E são essas pequenas digressões que o filme faz sobre si mesmo, especialmente no comentário final do prof. Hilbert, que deixam “Mais estranho que a ficção” bem acima das comédias bobinhas que infestam os cinemas."

airtonshinto said...

CELSO SABADIN, do site Cineclick:
"Palmas para Zach Helm! Não conhece? Sem problemas. Até bem pouco tempo atrás, o mundo do cinema praticamente desconhecia este autor californiano de pouco mais de 30 anos, com algumas poucas passagens pelo teatro e pela TV. Porém, após sua estréia no cinema - como roteirista de Mais Estranho que a Ficção -, esta percepção hollywoodiana mudou por completo. Agora, ele já está sendo chamado de "novo Charlie Kaufman" (roteirista de Adaptação) e vem ganhando espaço na imprensa especializada. E fez por merecer: seu roteiro de estréia é realmente uma preciosidade, uma jóia rara em meio a tanta mesmice que o cinema americano vem produzindo já há tanto anos. O roteiro é tão genial que o melhor a fazer é falar o mínimo possível sobre ele. Aliás, fica a dica: quem ainda não viu o filme, não deve ler nada a respeito, muito menos assistir ao péssimo trailer, que estraga as melhores situações.
Mesmo assim, é possível fazer uma sinopse que não tire o prazer do cinéfilo: o fiscal do Imposto de Renda Harold Crick (Will Ferrell, da refilmagem de A Feiticeira) é um sujeito extremamente metódico, sistemático e solitário. Por outro lado, a escritora inglesa Key Eiffell (Emma Thompson, ótima como sempre) está sofrendo com um terrível bloqueio criativo que impede já há vários anos seu reencontro com o sucesso literário. Ambos vão se encontrar numa situação, no mínimo, inusitada. E pronto. Melhor não saber mais nada para curtir as surpresas do filme.
A partir deste encontro inusitado e inesperado, Mais Estranho que a Ficção se utiliza de fantasias, simbolismos e parábolas para compor o patético retrato do homem comum, pressionado por limites que muitas vezes só existem dentro de sua própria inércia em viver a vida plenamente. Ou seja, os fatores que cotidianamente nos oprimem e nos limitam são realmente tão fortes assim a ponto de arruinar nossos sonhos? Ou tudo não estaria dentro da nossa própria cabeça? São várias as leituras que o filme proporciona. Além disso, também diverte, explorando com bom humor situações que se equilibram na fina linha que divide o trágico e o cômico. Quando o personagem diz não saber se sua vida é uma tragédia ou uma comédia, certamente ele também está se referindo ao próprio filme.
Junte-se a tudo isso a sóbria e criativa direção do alemão Marc Forster (o mesmo do excelente Em Busca da Terra do Nunca) e temos, logo de cara, em janeiro, um forte candidato a figurar entre os melhores filmes de 2007."

airtonshinto said...

MARCELO JANOT, do site Criticos.com.br:
"A fantasia de que alguma força oculta interfira no seu destino é um tema recorrente no cinema americano, de A Felicidade Não Se Compra a Feitiço do Tempo, e mais recentemente O Show de Truman, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich e Adaptação. Filmes como esses são prato cheios para interpretações de filósofos e psicanalistas, e Mais Estranho Que a Ficção não foge à regra.
Harold Crick (vivido pelo comediante Will Ferrell, bastante contido em relação ao seu habitual histrionismo) é um fiscal do imposto de renda que segue exatamente a mesma rotina chata e banal todos os dias. O que o torna diferente de outros cidadãos comuns, rendidos ao mesmo cotidiano automatizado, é que Harold é um personagem de ficção. E que de repente passa a escutar o seu cotidiano narrado pela autora (Emma Thompson) do livro que protagoniza. Ao se confrontar com a novidade e descobrir que irá morrer no fim da história, sua vida medíocre dá uma guinada, com a ajuda de um professor de letras (Dustin Hoffman).
O diretor Marc Forster já havia demonstrado sensibilidade para levar às telas histórias com um pé na realidade e outro na fábula ao dirigir o tocante Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland), em que investigava a origem da história de Peter Pan a partir da biografia de seu autor, James Barrie. Aqui, a matéria-prima que lhe é oferecida pelo roteirista estreante Zach Helm é ainda mais ousada em termos de criatividade, bebendo na mesma fonte metalinguística de Charlie Kaufman, autor dos três últimos filmes citados na abertura deste texto. Supondo que o espectador embarcará na viagem proposta, sem ficar buscando explicações racionais para cada acontecimento, fica mais fácil partir para as múltiplas leituras.
Uma primeira referência que pode ser feita é ao Mito da Caverna, narrado por Platão em A República, com Harold se libertando da opressão que é o universo que a autora lhe impõe (a Caverna platônica) para encontrar a sabedoria no mundo exterior. Mais Estranho Que a Ficção rende também horas de reflexão sobre o processo de criação literária, por várias vertentes. Pode-se tomar o caminho da discussão a partir da crise da autora que não consegue encontrar a inspiração para dar seqüência à sua obra, ou então tentando entender o momento em que o personagem deixa de pertencer ao seu autor para ganhar vida própria, um clichê recorrente que se lê nas entrevistas com escritores. Sem contar a discussão ética sobre o direito de a autora decidir pela morte de um personagem que já não é tão ficcional assim.
Embora Emma Thompson tenha uma atuação densa, impecável em cada tragada aflita no cigarro, o roteiro acaba pecando por não desenvolver a contento as questões levantadas. Por esse motivo, não deixa de ser decepcionante o rumo que o filme toma em certo momento, especialmente quando Harold decide comprar uma guitarra, dar vazão ao seu amor, enfim, recuperar o tempo perdido. Soa como uma concessão que por pouco não beira a pieguice, como se Platão saísse de cena para dar lugar aos conselhos edificantes do texto de auto-ajuda Filtro Solar (Wear Sunscreen), aquele que virou sucesso narrado por Pedro Bial.
Apesar disso, Mais Estranho Que a Ficção se diferencia das diversões escapistas hollywoodianas justamente por dar pano pra manga para horas de reflexão na mesa de bar. Um raro caso em que o pós-filme acaba sendo mais saboroso do que a sessão em si."

airtonshinto said...

RITA ALMEIDA, do blog Cinerama (Portugal):
"A vida de Harold Crick (Will Ferrell) um solitário e entediante (e entediado) empregado das finanças muda drasticamente quando ele começa a ouvir uma voz feminina narrar todos os seus actos quotidianos com detalhes assustadoramente precisos. Sem saber se se trata apenas de uma transcrição ou de uma determinação, o verdadeiro pânico de Harold chega quando a voz lhe revela que a sua morte é iminente. Harold procura então a ajuda do professor de literatura Jules Hilbert (Dustin Hoffman), que o aconselha a transformar a sua vida numa comédia (e evitar o pior desfecho), devendo por isso iniciar um improvável romance com a sua mais recente cliente, Ana Pascal (uma sempre mágica Maggie Gyllenhaal), uma jovem pasteleira a quem Harold está a fazer uma auditoria pela sua recusa em pagar a parte dos seus impostos que iria para os gastos de defesa. Mas a voz na cabeça de Harold acaba por se revelar de Kay Eiffel (Emma Thompson), uma neurótica escritora em pleno bloqueio criativo e cujo único contacto com o exterior é através de Penny Escher (uma subtil Queen Latifah), uma assistente enviada pela editora de Kay para forçá-la a terminar o livro dentro do prazo.
Este filme herda o seu título de uma frase de Mark Twain que diz que a verdade é mais estranha que a ficção por esta última estar limitada às possibilidades, ao contrário da primeira. Desconstruindo a criatividade, o inteligente e imaginativo argumento do desconhecido Zach Helm, que lembra Charlie Kauffman mas num tom menos surreal, aborda o tortuoso mundo da escrita, da forma como as obras têm uma forma quase orgânica de irem crescendo e da complexa relação, e responsabilidade, entre o criador e as suas personagens - aqui numa acepção verdadeiramente divina, com o poder da vida e da morte (quantas vezes não nos revoltamos nós mesmos contra o nosso?).
Seria fácil se houvesse um narrador para as nossas vidas que decidisse tudo, dizendo-nos quem ser e o que fazer. Mas isso seria tão aborrecido! Por isso o filme de Marc Forster (“Monster’s Ball”, “Finding Neverland”) promove o livre arbítrio, instigando-nos a tomar as rédeas da nossa vida e aproveitá-la ao máximo, percebendo que as pessoas e coisas que mais tomamos por certas são muitas vezes aquelas que fazem a vida valer a pena. E se, de vez em quando existem vozes na nossa consciência, talvez devêssemos escutá-las com mais atenção, em vez de as calarmos nos gestos mecânicos de todos os dias.
Com o ritmo marcado pela corrida contra o tempo, “Stranger Than Fiction” faz uma fusão entre o intelectual e o emocional, sem menosprezar nunca os efeitos tónicos de uma boa bolacha. E fá-lo sem cinismos, equilibrado entre a amargura e a esperança, o doloroso e o romântico. Da mesma forma como, objectiva e subjectivamente, a vida e a arte balançam entre a comédia e a tragédia, e como, num doloroso dilema, a simples existência humana pode ser pesada contra a possibilidade de uma obra de arte imortal.
A óptima interpretação de Ferrell, cheia de vulnerabilidade, faz pensar em Bill Murray e na forma como conseguiu eliminar as excentricidades da comédia e entrar em meandros mais subtis e dramáticos (“Melinda and Melinda” tinha já sido um bom exemplo).
“Stranger Than Fiction” revela o extraordinário poder da ficção para abordar o real. Todos somos personagens na nossa própria vida e, como Harold, também “little do we know...” do que está para vir. Melhor assim.

Os apelidos das personagens Crick, Pascal, Eiffel, Hilbert e Escher não são arbitrários:
-Francis Harry Compton Crick (8 de Junho de 1916, Northampton, Inglaterra - 28 de Julho de 2004, San Diego, Califórnia) foi um físico e bioquímico britânico, mais conhecido pela descoberta, juntamente com James Watson, da estrutura da molécula de ADN em 1953.
-Blaise Pascal (Clermont-Ferrand, Puy-de-Dôme, 19 de Junho de 1623 - Paris, 19 de Agosto de 1662) foi um filósofo, físico e matemático francês de curta existência, que como filósofo e místico criou uma das afirmações mais pronunciadas pela humanidade nos séculos posteriores, O coração tem razões que a própria razão desconhece, síntese de sua doutrina filosófica: o raciocínio lógico e a emoção.
-Gustave Eiffel (Dijon, 15 de Dezembro de 1832 - Paris, 27 de Dezembro de 1923), arquitecto e engenheiro francês. Especializou-se em construções metálicas, no que foi um dos melhores da sua época. Começou a sua carreira construindo viadutos (o mais destacado é o de Garabit, de 1882), e pontes metálicas.
-David Hilbert (23 de janeiro de 1862 em Wehlau, hoje Znamensk, perto de Königsberg - 14 de fevereiro de 1943 em Göttingen) foi um matemático alemão. Hilbert é freqüentemente considerado como um dos maiores matemáticos do século XX, no mesmo nível de Henri Poincaré. Devemos a ele principalmente a lista de 23 problemas, alguns dos quais não foram resolvidos até hoje, que ele apresentou em 1900 no Congresso Internacional de Matemática em Paris.
-Maurits Cornelis Escher (Leeuwarden, 17 de Junho de 1898 - Hilversum, 27 de Março de 1972) foi um artista gráfico holandês conhecido pelas suas xilogravuras, litografias e meios-tons (mezzotints), que tendem a representar construções impossíveis, preenchimento regular do plano, explorações do infinito e as metamorfoses - padrões geométricos entrecruzados que se transformam gradualmente para formas completamente diferentes.
*in Wikipedia"

airtonshinto said...

SILVIO PILAU, do site Cineplayers:
"Marc Forster pode ainda não ter entrado no rol dos grandes diretores em atividade, mas seu talento é inegável. Mesmo que falte ao cineasta aquela obra-prima capaz de colocar seu nome ao lado dos grandes, Forster construiu uma carreira com filmes de altíssima qualidade e – o que é ainda mais impressionante – completamente diferentes entre si, mostrando não apenas talento, mas versatilidade. Assim, depois dos ótimos A Última Ceia, Em Busca da Terra do Nunca e A Passagem, o diretor surpreende outra vez com Mais Estranho que a Ficção.
Escrito pelo estreante Zach Helm, a obra conta a história de Harold Crick, um auditor da Receita Federal com uma vida regrada nos mínimos detalhes. Solitário, Crick segue sempre a mesma rotina, inclusive marcando no relógio o tempo certo para tomar café. Certo dia, começa a ouvir a voz de uma mulher narrando todos os seus atos, como se fosse personagem de uma obra literária. Como se não bastasse, a narradora acaba deixando escapar que Crick está prestes a morrer, o que o coloca em uma corrida para tentar descobrir o mistério, enquanto se apaixona pela primeira vez em muitos anos.
Como pode se perceber, Mais Estranho que a Ficção parte de uma premissa original e com muitas possibilidades. E é extremamente satisfatório ver como estas possibilidades foram bem aproveitadas. Mais Estranho que a Ficção não é apenas um filme com um ponto de partida interessante, mas uma obra que consegue pegar este ponto de partida e desenvolvê-lo ao máximo, levantando diversas questões e criando momentos de pura beleza.
Um dos pontos mais interessantes de Mais Estranho que a Ficção é como Forster e Helm fogem das expectativas do público. Quem entra no cinema esperando uma comédia vai se surpreender. Há, claro, momentos de humor, mas o filme é mais um drama repleto de criatividade do que um longa para arrancar risadas. Até Will Ferrell deixa todo o seu histrionismo de lado por uma interpretação incrivelmente contida (algo que comentarei mais adiante).
Assim, o roteiro de Zach Helm revela-se muito mais profundo do que parece no início. Com muita sensibilidade e altas doses de imaginação, a história consegue algo bastante raro nos dias atuais: contar uma mensagem já batida (sobre aprender a viver e buscar a beleza em cada detalhe da vida) de uma maneira diferente e original. Como resultado, Mais Estranho que a Ficção revela-se um filme edificante, mas jamais piegas ou manipulador. A estrutura da história ainda encontra referências em outras obras, como as de Charlie Kaufman (especialmente Adaptação), qualquer filme no qual o personagem descobre ter pouco tempo de vida e até o best-seller O Mundo de Sofia.
Aliás, a analogia com o livro de Jostein Gaarder revela-se mais acurada quando se analisa as diversas questões propostas por Helm e Forster – e é aí que Mais Estranho que a Ficção enriquece de maneira grandiosa. Ainda que na superfície seja um romance e uma comédia com tons estranhos, a obra revela suas camadas e inteligência quando analisada com mais calma. Além das óbvias questões acerca da vida e da morte, o roteiro ainda traz à tona assuntos como a importância da arte (inclusive indo a fundo na relação entre criador e criatura) e aborda questões filosóficas (eis que a comparação com O Mundo de Sofia se torna acertada), como as clássicas perguntas “quem somos?”, “de onde viemos” e “o que estamos fazendo aqui?”.
E o melhor de tudo é que a direção de Forster consegue tratar destes assuntos de forma leve e agradável, jamais tornando o filme cansativo ou forçado ao espectador. Forster demonstra sensibilidade nos momentos mais emocionantes e muito tato ao equilibrar com talento a comédia e o drama. Além disso, sua narrativa é extremamente calma – mas nunca chata – sabendo apreciar e dar valor aos momentos mais singelos (como quando Crick experimenta a bolacha no copo de leite).
Outro acerto de Forster e Helm é não justificar o acontecido. Como é possível que Harold Crick seja personagem da uma história e, ainda por cima, consiga escutar a narradora de sua vida? Os cineastas acertam ao perceber que a resposta para essa pergunta não faria a menor diferença ao filme – ou até faria, mas para o lado negativo, uma vez que não seria possível encontrar qualquer explicação plausível. Dessa forma, assim que o espectador “compra” o absurdo da trama, é possível mergulhar de cabeça na viagem proposta por Forster.
Seguindo o mesmo caminho de atores como Jim Carrey, Robin Williams e Adam Sandler, que vêm escolhendo projetos mais sérios, Will Ferrell esquece as gritarias e o exagero que se tornaram suas características para compor um personagem introspectivo e sem prazer na vida. Por mais que sua persona seja engraçada por si só, Ferrell conquista a compaixão do espectador com poucos minutos de projeção, revelando-se a grande surpresa de Mais Estranho que a Ficção. O ator é responsável por belíssimas cenas, como quando (NÃO LEIA O RESTO DESTE PARÁGRAFO SE AINDA NÃO VIU O FILME) aceita o sacrifício para que uma obra de arte não seja estragada.
Mas não é apenas Ferrell o destaque no elenco de Mais Estranho que a Ficção. Dustin Hoffman está deliciosamente sarcástico como o professor de literatura, responsável pelas melhores tiradas do filme. Enquanto isso, a sempre excelente Emma Thompson capricha na excentricidade de Kay Eiffel sem jamais soar caricata. E, por último, Maggie Gyllenhaal consegue cativar o espectador como o interesse amoroso de Harold Crick.
Em contrapartida, Queen Latifah é desperdiçada em um papel que, mais do que secundário, é até desnecessário à trama. Forster também comete alguns deslizes, como a dispensável inserção de gráficos, para ressaltar a preocupação de Crick com os números, ou o exagero na trama do relógio.
Repleto de belos momentos e diálogos interessantes, Mais Estranho que a Ficção é um filme que possui uma lição de moral óbvia, mas contada de maneira irresistível. Com imaginação e muito talento, Forster e Helm construíram uma obra que faz o que é preciso para ser lembrada por muitos anos: entretém, emociona e faz pensar."