Friday, July 06, 2007

Estréias de 24 de agosto de 2007

POSSUÍDOS
(Bug, EUA, 2006)
Direção: William Friedkin
Elenco: Ashley Judd (Agnes), Michael Shannon (Peter), Harry Connick Jr. (Jerry Goss), Lynn Collins (R.C.), Bryan O'Byrne (Dr. Sweet).
Sinopse: Agnes (Ashley Judd) é uma garçonete que vive solitária num quarto de motel à beira de uma estrada em Oklahoma. Ela afoga suas máguas em litros de bebida e nas drogas desde que Lloyd, seu filho, então com seis anos, desapareceu repentinamente num mercadinho há dez anos atrás.
Jerry Gross (Harry Connick Jr.) é o violento e abusado ex-marido de Agnes. Recentemente saído da prisão estadual, onde cumpriu pena por assalto à mão armada, Jerry está sempre por perto, em geral inconvenientemente.
Através de sua colega de trabalho lésbica R.C. (Lynn Collins), Agnes é apresentada para um misterioso sujeito, Peter Evans (Michael Shannon), e iniciam um romance. Contudo, as coisas nem sempre são como parecem.
Provocado por uma insuportável dor de dente e por insetos "afídeos" que surgem por todo lado, Peter aos poucos revela algumas "camadas" de sua história: veterano da Guerra do Golfo, teria desertado depois de ser usado como cobaia em experimentos de armamentos biológicos realizados pelos cientistas do exército.
Sendo perseguido pelas autoridades, Peter estaria se escondendo e as manchas na sua pele e a infestação dos insetos seriam (ou não?) efeitos dos experimentos científicos.



Site Oficial: http://bugthemovie.com/site/



PRINCESA
(Itália/Reino Unido/Espanha/França/Alemanha, 2001)
Semidocumentário
Direção: Henrique Goldmann
Elenco: Ingrid de Souza, Cesare Bocci, Lulu Pecorari
Sinopse: Fernanda, um travesti brasileiro em Milão, se prostitui para financiar uma operação de troca de sexo. Tudo parece caminhar para um final feliz quando um homem se apaixona por ela.
Notas da Crítica:
Alysson Oliveira, Cineweb: 2/5

A PONTE
(The Bridge, EUA/ Reino Unido, 2006)
Documentário
Direção: Eric Steel
Sinopse: A ponte Golden Gate, que atravessa a baía de San Francisco, é um dos mais importantes pontos turísticos dos Estados Unidos. Mas é também o lugar que registra o maior índice de suicídios do mundo. Durante o ano de 2004, o diretor registrou, dia após dia, a rotina nefasta desse cartão-postal. Além do movimento de carros, pedestres e turistas, ele filmou mais de vinte suicídios.
O documentário flagra pessoas que sobem no parapeito da ponte e se atiram. O diretor vai então atrás de depoimentos de familiares e amigos dos suicidas para tentar entender seus motivos. O filme abriu o debate sobre a colocação de grades anti-suicídio na ponte.
Notas da Crítica:
Luiz Antonio Giron, Época: 8/10
Sérgio Rizzo, Guia da Folha: 8/10
Carlos Alberto Mattos, SET: 6/10
Angela Andrade, Cinequanon: 2/5
Cesar Zamberlan, Cinequanon: 2/5

Elie Politi, Cinequanon: 2/5
Erico Fuks, Cinequanon: 2/5
Fabio Yamaji, Cinequanon: 2/5
Rodrigo Zavala, Cineweb: 2/5
João Lopes, Premiere: 1/5
Tiago Pimentel, Premiere: 1/5
Sergio Nunes, Cinequanon: 1/5


O GRANDE CHEFE
(Direktøren for det hele, Dinamarca, 2006)
Direção: Lars von Trier
Elenco: Lars von Trier (Narrador), Jens Albinus (O Grande Chefe/Kristoffer), Peter Gantzler (Ravn), Fridrik Thor Fridriksson (Finnur), Benedikt Erlingsson (Tolk), Iben Hjejle (Lise), Anders Hove (Jokumsen)
Sinopse: O dono de uma empresa pretende vendê-la. Mas, existe um problema: quando iniciou a companhia, inventou um chefe fictício para respaldá-lo nos momentos de decisões impopulares. No entanto, os futuros compradores fazem questão de negociar diretamente com o proprietário e, para resolver a questão, o dono decide contratar um ator que se passe por ele. À medida que as negociações evoluem, o ator sente-se manipulado em um jogo que testa sua moral (ou a falta dela).
Notas da Crítica:
Inácio Araujo, Folha Ilustrada: 4/4
Erico Fuks, Cinequanon: 4/5
Marcelo Hessel, Omelete: 4/5
Ricardo Calil, SET: 8/10

Cassio Starling Carlos, Guia da Folha: 3/4
Marina Person, Guia da Folha: 3/4
Sergio Rizzo, Guia da Folha: 3/4
Suzana Amaral, Guia da Folha: 3/4
Alex Xavier, Guia do Estadão: 7/10

Alexandre C. dos Santos, Paisà: 3/5
Cesar Zamberlan, Cinequanon: 3/5

J Beto, Cine do Beto: 3/5
Marcelo Miranda, Paisà: 3/5
Neusa Barbosa, Cineweb: 3/5
Arianne Brogini, Sexy: 5,5/10
Andy Malafaya, Cineplayers: 5/10
Carlos Eduardo Corrales, Delfos: 2,5/5
Celso Sabadin, Cineclick: 4,5/10
Christian Petermann, Isto É Gente: 4,5/10
Emilio Franco Jr, Cineplayers: 4/10
Luis Antonio Giron, Época: 4/10
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 2/5
Amir Labaki, Guia da Folha: 1/4
Leonardo Mecchi, Cinequanon: 2/5
Fabio Yamaji, Cinequanon: 1/5
Fernando Watanabe, Cinequanon: 1/5
Paulo Santos Lima, Paisà: 1/5
Sérgio Alpendre, Paisà: 1/5
ÍNDICE NC: 5,43/28

BRASILEIRINHO
(Brasil/Suíça/Finlândia, 2007).
Documentário - 90 min.
Direção: Mika Kaurismäki.
Elenco: Paulo Moura, Yamandu Costa, Zé da Velha, Silvério Pontes e Joel do Bandolim.
Sinopse: O finlandês Mika Kaurismäki mais uma vez volta suas lentes ao um gênero musical tipicamente brasileiro. Desta vez seu interesse é pelo chorinho, nascido no final do século XIX no Rio de Janeiro, quando os músicos pararam de compor e tocar no estilo europeu para misturar melodias européias com ritmos africanos.
Notas da Crítica:
Carlos Alberto Mattos, SET: 7/10
Alysson Oliveira, Cineweb: 3/5
Érico Borgo, Omelete: 3/5
Sérgio Alpendre, Paisà: 3/5
Emilio Franco Jr., Cineplayers: 5/10
ÍNDICE NC: 6,00/5


SANTIAGO
(Brasil, 2007)
Direção: João Moreira Salles
Documentário - 79 min.
Sinopse: 1912 – Nasce Santiago Badariotti Merlo, argentino de origem espanhola.
1925 – Santiago viaja à Europa e começa a desenvolver sua veia artística, aprendendo sobre música, pintura, dança e história geral. Santiago também aprende várias línguas, como o latim e o dialeto piamontês.
1948 – A Casa da Gávea, a suntuosa residência do embaixador, banqueiro, diplomata e advogado de formação Walther Moreira Salles começa a ser construída. Salles casou-se três vezes: aos 28 anos, com Helène Matarazzo, com quem teve Fernando; separou-se no final dos anos 50 e casou-se com Elisa Gonçalves, mãe dos outros três filhos (João, Walter e Pedro), ficando com ela até o início dos anos 70. Em 1986, conheceu Lúcia Salles, sua última esposa (Walther morreu em 2001).
1953 – Ano de lançamento de A Roda da Fortuna (The Band Wagon), de Vincente Minnelli, com Fred Astaire e Cyd Charisse, o filme preferido de Santiago.
1956 – Santiago começa a trabalhar como mordomo na Casa da Gávea.Entre 1956 e 1986 Santiago exerceu suas funções de mordomo e deu um colorido à infância de “Joãozinho” e seus irmãos com sua cultura e memória prodigiosa, seus gostos apurados por música e obras de arte, suas histórias de viagem, seus arranjos florais e suas transcrições datilografadas e comentadas de 30 mil páginas de pesquisas sobre assuntos diversos com um gosto particular pela história das aristocracias universais.
Na Casa da Gávea, haviam jantares e recepções que reuniam grandes celebridades e autoridades da época, incluindo presidentes da República, como Juscelino Kubitcheck e João Goulart.
1982 – João Moreira Salles deixa a Casa da Gávea. Este momento marca a passagem de João para a fase adulta.
1986 – Santiago deixa a Casa da Gávea.
1992 – João Moreira Salles reencontra Santiago e colhe imagens para um documentário sobre o mordomo. São cinco dias de filmagens no apartamento em que o ex-mordomo, agora aposentado e cercado de reminiscências (a estante com os calhamaços de sua pesquisa de uma vida toda, a máquina de escrever, o “canto das Madonnas”, o relógio com mais de 100 anos), vive.
Depois de reunir o material, João conclui que as idéias para o filme parecem boas, mas não funcionam na hora de realizar o trabalho na ilha de edição. Os rolos de filmagem acabam num arquivo morto.
1994 – Morre Santiago.
2005 – Treze anos depois de iniciar e desistir de dar prosseguimento ao filme sobre Santiago, João Moreira Salles reabre os seus arquivos e retoma o projeto. Em sua “reflexão sobre o material bruto”, o documentarista repara que durante todo o filme sempre utilizou planos médios, guardando certa distância do entrevistado.
LINK PARA OS MELHORES FILMES DE 2007

O ULTIMATO BOURNE
(The Bourne Ultimatum, EUA, 2007)
Direção: Paul Greengrass
Elenco: Matt Damon, Joan Allen, Julia Stiles, David Strathairn, Paddy Considine, Edgar Ramirez.
Sinopse: O jornalista Simon Ross, do diário britânico "The Guardian", investiga a trajetória de Jason Bourne e a ligação entre as buscas por Bourne pela Interpol e a morte de Marie Kreutz, namorada de Bourne, na Índia.
Ross consegue contactar uma "fonte" anônima e secreta que fornece informações valiosas que levam o jornalista a publicar um artigo denunciando a existência de uma nova organização dentro da CIA, sob o code-nome "Blackbriar", que seguirá os passos da Treadstone, dando amplos poderes para alguns figurões da alta cúpula da Agência para agirem "sem burocracia", ou seja, matando sumariamente os supostos "inimigos dos americanos".
O "vazamento" das informações torna-se um grande inconveniente para Noah Vosen, chefe de Operações da Blackbriar, que imediatamente mobiliza uma numerosa equipe de agentes e toda a tecnologia de espionagem necessária para descobrir e eliminar a "fonte" de Simon Ross.
Enquanto isso, o agente Jason Bourne, ainda sofrendo de amnésia, lê o artigo de Ross no The Guardian e resolve ir atrás dele, já que ele pode ter a pista que faltava para conseguir desvendar os segredos de seu nebuloso passado.
Quando Ross e Bourne se encontram no terminal Waterloo, em Londres, Noah Vosen envia um executor para eliminar os dois, e a partir daí desencadeará uma série de perseguições frenéticas e trepidantes que continuarão em Madri (onde Bourne reencontrará Nicky Parsons), em Tangier (no Marrocos) e em Nova York.
A agente Pamela Landy também participará da monitoração das buscas na sede da Divisão Secreta da CIA em Langley, na Virgínia, mas irá entrar em choque com os métodos truculentos de Noah Vosen.
LINK PARA OS MELHORES FILMES DE 2007

ESPÍRITOS 2: VOCÊ NUNCA ESTÁ SOZINHO
(Alone, Tailândia/Coréia do Sul, 2007)
Direção: Parkpoom Wongpoom e Banjong Pisanthanakun
Elenco: Masha Wattanapanich, Vittaya Wasukraipaisan, Namo Tongkumnerd, Ratchanoo Bunchootwong.
Sinopse: Pim é uma mulher comum que acaba se mudar, para dar início a uma nova vida na Coréia com o marido. Um telefonema anuncia a doença de sua mãe e muda a vida de Pim para sempre, quando eles têm que voltar para a Tailândia. Ao retornar à cidade, Pim começa a se recordar do seu passado, de sensações dolorosas, junto com um estranho sentimento familiar. A constante sensação de que existe alguém ao lado dela, se confirma com a revelação de um antigo segredo de família.
Notas da Crítica:
Diego Benevides, Cinema com Rapadura: 8/10
Beatriz Diogo, Cinema com Rapadura: 7/10
André Gordirro, SET: 6/10
Érico Borgo, Omelete: 3/5
Rodrigo Zavala, Cineweb: 2/5
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 1/5
ÍNDICE NC: 5,50/6

12 comments:

airtonshinto said...

LEONARDO MECCHI, da Revista eletrônica Cinética:
"A sublime paranóia de Friedkin
Partindo de uma peça de teatro e concentrando sua ação em praticamente uma locação, Possuídos poderia facilmente resvalar no chamado teatro filmado. No entanto, basta a cena de abertura para dissipar esse receio. O filme se inicia com uma tomada rápida de um corpo estendido em um quarto prateado, quase futurista. Corta para uma tela escura. O toque de um telefone, close do aparelho conforme ele é atendido por uma voz feminina. Silêncio do outro lado da linha. Corta para uma tomada aérea do deserto, um helicóptero se aproximando de um prédio (um motel, descobriremos mais tarde). O telefone volta a tocar insistentemente. Em off, a mesma voz feminina atende. Silêncio. Ela bate o telefone e xinga.
Essa pequena descrição está longe de fazer jus ao mistério e, de certo modo, sensualidade dessa belíssima cena de abertura. Com recursos puramente cinematográficos, William Friedkin instaura desde o início o universo misterioso em que entramos, além de já desvelar um dos principais eixos do filme: a ameaça que o mundo exterior impõe ao avançar sobre personagens traumatizados e auto-exilados. A própria presença desse plano aéreo inicial já emula parte do mistério do filme e impõe uma série de dúvidas ao espectador: o helicóptero utilizado na tomada é apenas um recurso técnico da produção ou um elemento diegético? Sendo diegético, ele realmente existe ou é apenas parte do delírio psicótico daqueles personagens? Se existe, justifica a paranóia observada? Se é fruto de delírio, como pôde originar aquelas imagens iniciais? O próprio filme instala essa dúvida, ao trabalhar o barulho de um ventilador como o ruído de um helicóptero a espionar aquele ambiente – apenas um exemplo da importância da edição de som na obra de Friedkin (e neste filme em particular).
Essa relação íntima do filme com a paranóia de seu protagonista reforça o caráter quase epidêmico desta. A paranóia de Peter contamina não apenas Agnes, mas a própria imagem, que oscila entre a adesão (no abalo causado pelos helicópteros) e a negação (na recusa em materializar a imagem dos insetos). Com sua edição precisa e seu admirável trabalho de som, Friedkin, no auge de sua forma, nos coloca no centro desse processo de enlouquecimento (em especial nos últimos 15 minutos, onde acompanhamos em tempo real o processo irreversível de descolamento entre aqueles personagens e a realidade) – a ponto de temermos pela sanidade dos próprios atores, que trabalham constantemente no limite entre o sublime e o ridículo.
Há ainda em Possuídos uma forte e ameaçadora relação com a tecnologia – seja na paranóia de Peter diante de qualquer tipo de maquinário (o alarme de incêndio, a TV, o “médico-robô”), seja na forma da tecnologia militar supostamente desenvolvida para a incubação dos insetos em seu corpo – que nos remete ao cinema de Cronenberg. Ao menos no imaginário de seus personagens, há também aqui a típica remodelação cronenbergiana do corpo humano pela tecnologia (no caso uma biotecnologia, por assim dizer). Entretanto, como tal reconfiguração se dá, em última instância, por uma espécie de auto-flagelação dos próprios personagens, a aproximação com o cinema de Cronenberg se dá tanto por A Mosca quanto por Spider, já que em Possuídos a batalha a ser travada se encontra na mente de seus personagens.
Como muitos filmes pós-11 de setembro, Possuídos será visto por muitos como um estudo sobre a paranóia atual da sociedade norte-americana. Possuídos pode até servir a isso, mas é também muito mais. A potência inegável do filme de Friedkin se deve menos a seu suposto retrato preciso do zeitgeist contemporâneo do que à maneira como trabalha questões atemporais como a dor da perda, o medo da solidão e a necessidade de se encontrar uma lógica (ainda que perversa e distorcida) para se explicar o mundo aparentemente desconexo em que vivemos. Isso, e a maestria com que o diretor constrói seu tour de force cinematográfico."

airtonshinto said...

RAPHAEL MESQUITA, do site contracampo:
"Possuídos trata, acima de tudo, de uma neurose contemporânea. Uma não, várias. A inserção dos indivíduos na sociedade, a luta constante por uma autonomia do corpo (e consequentemente da ação) e a problemática das relações pessoais são filtradas pelo olhar psicanalista do diretor William Friedkin. O filme é todo composto de um trabalho com os traumas e patologias típicos da sociedade atual, vistos sob um aspecto crítico e talvez complacente. Mais o segundo até do que o primeiro. Possuídos não procura sistematizar uma lógica vigente da mente humana e sobretudo seu comportamento no dia-a-dia, tampouco compreender o funcionamento das atitudes do homem, sejam elas ligadas a atos políticos ou simplesmente mentais. Através de uma relação de causa e conseqüência que se instaura na diegese do filme, as questões levantadas são de certo modo respondidas dentro da própria obra.
O enredo parte da chegada de Peter à casa de Agnes. Ele traz uma infestação de minúsculos insetos presentes em seu sangue, que são transmitidos a ela a partir do contato sexual. A partir de então o casal se fecha, entrando em desespero numa luta incessante contra os insetos que parecem proliferar de maneira assustadora. Ao redor deles, algumas pessoas tentam participar dessa vida que se cria: Jerry, o ex-marido de Agnes e R.C, sua companheira de trabalho.
Nenhum dos 4 personagens de Possuídos está isento de distúrbios clínicos (Agnes e Peter) ou de desvios comportamentais (Jerry e R.C). Partindo dos coadjuvantes é possível observar um certo olhar de Friedkin para questões políticas. A amiga de Agnes é mostrada em sua rotina, alimentada pelo consumo de drogas e bebidas alcoólicas. No entanto, tenta na justiça, junto com sua namorada, a adoção do filho desta. Ora, mas se por um lado o filme levanta a bola a respeito da adoção de crianças por casais homossexuais, por outro o faz justamente em um personagem claramente inapropriado para exercer a função de formação de uma criança. Mais do que uma crítica invertida ou entrelaçada com outras pertinências, fica a impressão de que Friedkin não se dá conta de seu ato. Já o tratamento de Jerry funciona em caminho semelhante, transposto de maneira diferente. O ex-marido de Agnes apresenta uma obsessão por ela e, após sair da cadeia, quer retomar um lugar na casa que outrora foi seu. No entanto, o faz de maneira violenta, impondo plenos poderes conquistados pela força física. A compulsiva obsessão de Jerry é absolutamente recriminada no filme. Entretanto, mais pelo personagem se aproximar de um vilão – que interfere na continuidade da história de amor – do que pela sua atitude comportamental. Ao abarcar variadas problematizações polêmicas, Friedkin, ao não desdobrá-las, abre lacunas para interpretações errôneas e provoca bastante esforço no espectador para não ser visto como inconseqüente.
Mas vale a pena estar atento ao que parece ser a questão central de Possuídos: as neuroses contemporâneas. O filme abre margem para distintos olhares, fazendo-se valer de uma série de ferramentas de linguagem que se confundem e se entrelaçam no que finalmente constitui um filme de terror. Há um intenso trabalho alegórico que recai nos (inexistentes?) insetos criadores de feridas. Não se sabe se eles existem e nem de onde eles vêm. Sua própria representatividade é confusa, pois é possível apontá-los como mal causador, mas sua identificação é apenas presumível. Operam, ainda, em uma estrutura viral que se instala no corpo de maneira indestrutível, mas contornável. A isso se alia a abordagem psicanalítica, pensando na atribuição de causas às neuroses discorridas.
Peter é claramente um indivíduo com distúrbios mentais e/ ou psíquicos. Que fique claro: Friedkin trabalha com patologias. Ao incorporar essa suposta neurose (que deixarei para os especialistas clínicos identificar, menos por preguiça e mais por ignorância) que é relatada no filme, o diretor busca origens que acarretaram tal comportamento. Nunca saberemos, entretanto, a genealogia dessa doença, de que forma ela se criou (ou apareceu) e de que maneira ela funciona. O filme opta por mostrar apenas situações dramáticas de crises comportamentais. Não investiga, nem desdobra. Apenas olha. E é justamente esse olhar que é carregado de opiniões controversas e polêmicas (ainda que trabalhadas superficialmente). Em nenhum momento o filme procura a cura da doença. Da parte dos personagens, evidente que não. Mas a mão que rege a trajetória narrativa guia o filme para a fetichização das neuroses contemporâneas. Possuídos corrobora de um pensamento vigente (ainda que inconsciente) da beleza da depressão, dos traumas psíquicos, dos comportamentos insanos, da solidão. A frase “estou deprimido” já banalizada por completo nos dias de hoje, ganha força no filme, que se mascara numa história de terror. Possuídos aposta que as doenças não necessariamente precisam ser tratadas, e que nelas está também contida a própria cura. A partir da não-identificação ou do isolamento, o indivíduo incorpora as mazelas a sua volta, num afetamento mental e corporal e se fecha numa doença que mais do que afetá-lo, fará nutrir as afetações, incorporando-as e finalmente retirando-se para outro universo.
Em Possuídos essa transposição para outro espaço se dá em duas etapas. A primeira delas é o fechamento do casal na casa de Agnes. Ela e Peter passam a viver sozinhos, sem que necessitem de qualquer interferência do mundo que acontece para além daquela bolha. Quando um mero entregador de pizza se aproxima da casa, o casal chega a entrar em pânico, com medo do que passa a ser o outro. Aqui, ainda parece haver uma pequena crítica a certos comportamentos atuais. Chega a ser patético a procura por insetos ou contaminações nos pedaços de pizza. Peter chega a colocá-los no microscópio, sem retirar amostras ou colocar na lente, simplesmente enfiando o pedaço de pizza no microscópio, sendo ainda capaz de achar coisas lá. Essa situação é reflexo do que acompanhamos no dia-a-dia, com preocupações que beiram o ridículo (os diets, lights e zeros da vida são bons exemplos). Mas a crítica (se há) está somente contida na ironia do filme diante da situação. Esta que não mais se repetirá.
A segunda etapa se dá justamente no final do filme, com a transposição literal do casal para um outro mundo, a partir do suicídio. Fica evidente não haver qualquer preocupação de libertação da doença. O casal nunca se preocupa em tratar a neurose. Eles simplesmente se preocupam em exterminar os insetos criados a partir da doença. A cena final é o apogeu da libertação dos insetos que criamos em nossas mentes, derivados de nossos traumas pessoais e sociais. Mas para que controlar uma doença se podemos simplesmente nos libertar do universo que a promove? A pergunta ressoa forte em Possuídos. E a resposta que o filme tende a endossar é que de fato essa vida já não vale mais a pena. Partamos para outra, repleta de loucos (como figura alegórica), insanos, e inconseqüentes. Porque no final de tudo prevalece a individualidade e nossa capacidade de sobrevivência, seja ela qual for."

airtonshinto said...

BRUNO AMATO REAME, da revista Paisà:
"Possuídos é um filme no qual seus personagens passam a maior parte do tempo errados sobre a realidade em que vivem. Mas não esperem algo semelhante a obras como Sexto Sentido e Clube da Luta, onde o final surpresa revela o segredo escondido pelo roteirista. Ao contrário, William Friedkin (provavelmente preservando a integridade do texto original, uma peça teatral) quase sempre deixa claro para o espectador onde está a linha que separa a realidade das fantasias de seus personagens. Um desses personagens é Agnes (Ashley Judd), uma mulher simples e solitária. Ela vive num quarto de motel (cenário de quase todas as cenas do filme), aterrorizada com a idéia de ser encontrada pelo marido violento. Ela conhece Peter (Michael Shannon), sujeito que parece ainda mais frágil que Agnes. Um desertor do exército, Peter acredita que o governo observa todo mundo o tempo todo e, mais importante, insetos o perseguem. O que acontece a partir daqui tem sido descrito, talvez erroneamente, como “filme de horror”.
Basta dizer que o mundo de Agnes, inóspito e previsível, se transforma no mundo de Peter quando os dois se apaixonam. É um novo mundo, repleto de perigos e teorias de conspiração, mas excitante e cheio de possibilidades. Essa metamorfose é filmada por Friedkin enfatizando a transformação que o cenário sofre aos poucos, mas também prestando muita atenção nos atores. O cineasta valoriza muito as atuações do elenco, num cinema de poucos cortes. Ele também sabe como esconder a origem teatral do roteiro e quando escancará-la sempre que necessário para o bem do filme. Além disso, Friedkin evita quase sempre a sensação de estarmos assistindo um caso clínico tendo Agnes e Peter como cobaias. Ao invés disso, seu filme soa como uma alucinada história de amor, entre duas pessoas que em seus delírios acharam proteção de um mundo onde coisas terríveis (como o sumiço de uma criança) não têm explicação. O rosto de pura felicidade de Agnes na conclusão é prova disso: sua relação com Peter foi a mais feliz que ela teve com alguém na vida. Pensando bem, Possuídos é mesmo um filme de horror. "

airtonshinto said...

RAPHAEL SANTOS, do site Cinema com Rapadura:
"Eu realmente não gosto de assistir a um filme e ter que falar mal desse. Isso parece coisa de gente chata, que implica com algo e assim vai até o fim da vida. Não tenho, porém, como deixar de apontar as falhas que fazem de “Possuídos” um dos filmes que mais me fez ter vontade de deixar o cinema antes do fim. Olha que só fiz isso uma única vez e, felizmente, não estava a trabalho. Só não fiz isso, pois, hoje, analisando toda essa atmosfera que o cinema me proporciona, acho um desrespeito qualquer que seja o espectador deixar a sala de projeção antes do final, a não ser por alguma emergência, obviamente.
Em “Possuídos” a trama começa a se desenrolar. No seu começo lento, somos atolados de suspense sem respaldo. Para tanto, o diretor William Friedkin (“O Exorcista”, “Regras do Jogo”) usa e abusa das câmeras fechadas. É câmera fechada na cebola, na maçaneta da porta, na placa do motel, no ventilador e assim sucessivamente em tudo quanto é de objeto. Ao passo disso, vamos conhecendo a personagem Agnes White (Ashley Judd, de "A Marca"). Ela mora em um motel, sente um subconsciente aterrorizado por seu ex-marido e agora presidiário, usa e abusa de drogas e trabalha em um bar lésbico. Até que um dia, sua amiga R.C. (Lynn Collins, de “O Mercador de Veneza”) apresenta-a Peter Evans (Michael Shannon, “O Lenhador”), um personagem que “cai de pára-quedas” para fazer par com Agnes.
Até aí tudo bem. Como não esperávamos as coisas terríveis que estavam por acontecer, tava até aceitável a situação. Afinal, os produtores colocaram o gênero do filme como sendo suspense/terror. A parte do suspense vinha dando certo, a parte do terror, só se for aquele totalmente psicológico. Até os maçantes diálogos, típico de um filme que é adaptado de uma peça para o teatro, não estavam afetando como ia afetar. Não é à toa. Essa é uma adaptação de peça escrita por Tracy Letts (que aqui roteiriza também). O problema é que quanto mais demorava a se desenrolar, cada vez mais a projeção ia ficando irritante.
Certo, eu entendi. Esse artifício de filmagem escolhido por Friedkin foi para deixar os espectadores realmente incomodados com o clima de claustrofobia . Afinal, estávamos para entrar no mundo da loucura humana, da paranóia. Enfim esse “mundo” chega. Ao olhar a loucura de Evans para com insetos fictícios e a forma como ele afetou Agnes com ela, nos dá o real enlace da trama. A questão é que Evans parece ter transmitido a loucura dele para todos da trama e para além da trama, como o diretor, roteirista, produtor e sucessivamente. Tentando dar uma de roteiro esperto, que vai analisar a psicologia da situação, “Possuídos” parece mais mostrar dois loucos querendo resolver um fato: acabar com a infestação de insetos irreais.
Não sou contra esses filmes inteligentes. Muito pelo contrário. Sou fã desse gênero, mas repudio os que tentam ser inteligentes, como nesse caso. Além disso, me coloco primeiramente como fã da coisa bem feita. Peguemos por exemplo os diálogos de “Possuídos”. Algo como “eu sou a inseto mãe” saiu da boca de Ashley Judd no grande clímax da trama. Como se não bastasse, saiu da forma mais decorada possível. Sem falar no contorcionismo olímpico que teve de fazer o ator Michael Shannon para esconder suas partes íntimas em cenas que aparece completamente sem roupa. Quando não tinha mais como juntar suas pernas ou ficar em posição que até o Gollum de “O Senhor dos Anéis” invejaria, o ator já estava recorrendo para colocar galões de gasolina ou qualquer coisa que ele encontrasse ao seu redor.
Quase nada se salva. Uma delas, ou a única dela, foi a ótima mixagem do som. Realmente nós pudemos escutar cada detalhe do ambiente. As pisadas, o vôo dos insetos, carros constantemente passando na estrada em frente ao motel, algumas pisadas foras do quarto de Agnes e até sons estranhos que pensávamos ser algo aproveitável no futuro para o roteiro, mas que se transforma em apenas sons para iludir o espectador. Seria esse um grande artifício caso “Possuídos” se desenrolasse como um suspense. Entretanto, ele se mostra como algo que tentou usar do psicológico louco daquele que o estava assistindo e jogou fora todo esse ótimo trabalho da edição de som.
Para os brasileiros, o filme teve um “q” a mais de horror. Digo isso pela medonha tradução de “Bug” para “Possuídos”. Até descobrirmos que de possessão a película não tem nada, demora muito. De possuído mesmo, só o espectador de raiva. Faço a simples pergunta para o responsável dessa área: de onde foi a idéia? Foi tão inteligente assim que eu não captei ou foi só para zoar mesmo?
“Possuídos”, sem sombra nenhuma de dúvidas, é um título que pretendo apagar da minha mente. Já vi tanta coisa boa ser feita com menos dinheiro e com atores menos badalados. Sendo assim, não vejo interrupções em meu meio para não taxar essa película como um dos sentimentos mais podres que eu já tive dentro de uma sala de cinema. Agora, para mim, o sinônimo de filme pior do que péssimo é “Possuídos”."

airtonshinto said...

FILIPE FURTADO, do site Contracampo:
"A Topografia dos Sentimentos
A crença cinematográfica de William Friedkin se apresenta a partir de duas proposições bem simples:
1) A imagem cinematográfica encontra seu valor na superfície.
2) Se existe alguma profundidade dentro dessa imagem chapada, ela se dá pela forma como os sentimentos que desperta se disseminam por contágio.
É um cinema cuja lógica tem de ser física, absurdamente literal e materialista. Se há algo que sempre nos desconcerta em filmes como Operação França, Comboio do Medo, Parceiros da Noite ou Viver e Morrer em Los Angeles é o que estes filmes têm de um cinema de instalação que nos coloca num ambiente e a partir daí opera de maneira a explorá-lo diante do olhar do espectador num processo de abertura, em que tudo que estes universos despertam acaba sendo aos poucos dissecado pela câmera. Friedkin é uma espécie de cineasta geólogo cujos filmes se constroem no encontro de três operações topográficas que correm ao meio tempo: a da imagem plana, a do ambiente da ação, a dos diversos sentimentos e recalques que existem perdidos no ar.
Os dois planos iniciais de Bug apresentam com incrível concisão este projeto estético.
Primeiro uma imagem deslocada, retirada já do terceiro ato, dentro do gosto de Friedkin de lançar diante do espectador algo inexplicável e desorientador. Está ali estabelecido tanto um gancho dramático – uma garantia ao espectador incauto de que a calmaria inicial logo será interrompida – quanto uma estratégia estética, o gosto do cineasta por um certo tipo de imagem, ao mesmo tempo chapada e ampla.
O movimento de câmera que se segue nos entrega toda a mola propulsora que guia o projeto estético do filme. Enquanto a imagem se aproxima do motel em que quase toda ação se passa, recebemos no meio do que à primeira vista é só um exercício de estilo toda uma declaração de princípios. Pode não estar claro naquele instante, mas quando Bug acaba percebemos tudo que já estava apresentado ali: que a imagem cinematográfica existe a partir de um desejo de mergulhar nas superfícies, que tudo que é posto em cena tem um valor em si mesmo, que este é um filme orgulhosamente teatral na sua construção, que o que está em jogo aqui são os sentimentos que transpiram no ar.
Bug se diferencia de outros filmes de Friedkin, pelo que tem de entrega, pela maneira como filtra seu formalismo através de um trabalho mais direto com personagens, um filme menos centrado em atacar diretamente o espectador. O filme jamais funcionaria sem o excepcional trabalho da dupla de atores centrais (Ashley Judd e Michael Shannon) que se equilibram dentro do texto pantanoso. O princípio narrativo de Bug é a idéia de que a paranóia não passa de um desejo de ficção, logo a cada a ato o filme adentra mais no artifício e no comportamento patológico. Em suma, quanto mais Bug avança, mais adentra o absurdo; o triunfo de Judd e Shannon é que não há um instante em que o filme não pareça exato no que descreve. Bug é um filme de atores, mas ao contrário do que a expressão costuma sugerir, estamos bem distante de algum tipo de exercício narcisista voltado mais para afirmar a suposta excelência dos intérpretes.
Essa intensidade encontra seu complemento nas imagens de Friedkin. Nunca um cineasta discreto, Friedkin gosta de descrever sua estética como uma indução de imagem documental. Isso fala muito sobre o peso que corpos e objetos de cena e locações têm a cada imagem, mas esconde o artifício que acompanha. Porque o cineasta é antes de mais nada sempre um brilhante técnico a brincar com seus elementos (pensemos aqui no sofisticado trabalho de banda sonora, por exemplo) e Bug já a partir dos seus primeiros planos se revela um tour de force para seu cineasta tanto quanto para seus dois atores. Mas não se trata de um tecnicismo barato meramente exibicionista; pelo contrário: a exuberância técnica de Friedkin acentua o que Bug tem de intenso filme de entrega. Seu artifício é parte essencial do projeto sentimental-materialista sobre o qual o filme é erguido.
Bug é também um filme político, mas não no sentido que vem se afirmando. No cerne do processo paranóia de Bug está a crença do personagem de Shannon – um ex-militar – de que ele não passa de uma cobaia para experimentos do governo. Alguns críticos foram rápidos em ligar esta idéia e a atmosfera geral do filme como sinais de que estamos mais uma vez num filme crítico ao atual governo americano. Claro que Bug reflete a atmosfera em que foi feito, mas é bem cedo para concluir que William Friedkin passou por alguma conversão, ele permanece um dos mais claros e articulados cineastas da extrema direita americana. Pensar o contrário é ignorar a profunda ambivalência para com a paranóia de Shannon, tanto a maneira como ele a leva sério como uma demonstração de um sentimento de desespero, mas ao mesmo tempo quanto a acha risível como expressão política (pode-se tranqüilamente ver Bug como uma sátira aos thrillers paranóicos que pipocaram à época do auge crítico-comercial do cineasta, apesar de que tal leitura limita-se, e muito, às belezas do filme).
Onde se encontra o político, então? Como sempre em Friedkin, no mero fato do filme existir. De ser produzido como foi, fazer um filme a toque de caixa num quarto de motel vagabundo no meio do nada é para seu cineasta um ato político-libertador. Após uma década de parceria com a Paramount, onde ao mesmo tempo ele podia desenvolver com alguma calma seus projetos a despeito do retorno financeiro quase nulo (sua esposa era a chefe do estúdio) e se envolvia invariavelmente em longas dores de cabeça na hora da montagem, com resultados que variaram do cineasta perto do seu melhor (Caçado) e do seu pior (Jade), Bug é um retorno às origens de Friedkin, aos seus dois primeiros filmes de fato, The Birthday Party e Os Rapazes da Banda, ambos adaptações teatrais de estética e forma de produção bastante similares às do novo filme. Para cineastas da geração de Friedkin que ainda desejam afirmar seu projeto de cinema, um filme como Bug parece o único caminho e este novo trabalho do diretor tem um desejo confrontador de afirmar isso, rivalizado apenas pelos trabalhos recentes de Brian De Palma.
Mas Bug se afirma mesmo dentro do seu desejo materialista de dar massa à dor e paixão que transcorre naquele espaço. Uma história de amor dirigida por um cineasta brutal e físico que por isso mesmo se torna o encenador perfeito de tal material. O peso de Bug se multiplica em parte pela nudez emocional que ele exibe, mas muito porque o teor literal, quase exploit-experimental e pseudo documental, carrega a imagem de Friedkin como poucas vezes mesmo dentro da sua rica obra. Bug é um filme em que a dor reside não só na carne, mas no ar, transpirando em cada grão da película. O projeto de exploração espacial do cineasta é redimensionado na tradução mais concreta do conceito de contágio que animara diversos dos seus filmes anteriores. Um filme assustador, sem dúvida, mas não pelas razões esperadas."

airtonshinto said...

THIAGO SIQUEIRA, do site Cinema com Rapadura:
""Eu sou a mãe super inseto!!". Foi no momento em que a atriz Ashley Judd, estrela deste "Possuídos", proferiu a frase acima que eu, pela primeira vez, senti vergonha por estar assistindo a um filme. É claro que já ouvi diálogos mais fantasiosos ou estranhos em diversas fitas, mas nunca de uma maneira tão esdrúxula, em um momento tão inapropriado ou mesmo em uma fita tão irreparavelmente equivocada quanto esta, dirigido por William Friedkin. O veterano cineasta conduz da pior maneira possível esta adaptação da peça homônima de Tracy Letts (que também assina o roteiro do filme). A falha de ritmo e de direção é tamanha que os momentos mais dramáticos do filme acabam ganhando contornos involuntariamente cômicos, devastando uma experiência que deveria ser assustadoramente real.
O filme nos apresenta à sofrida Agnes (Ashley Judd). Dona de um passado triste, onde se incluem um marido violento e a perda de seu filho, ela vive uma existência solitária em um quarto de motel chinfrim no sul dos Estados Unidos. Seu único conforto vem das drogas e de sua amiga R.C. (Lynn Collins), sua companheira de trabalho num bar de lésbicas. Atormentada por misteriosos telefonemas no meio da noite e perturbada pelo fato de seu ex-cônjuge, Jerry Goss (o cantor country Harry Connick Jr.), ter saído em condicional da cadeia, ela conhece, por intermédio de R.C., um retraído veterano da primeira Guerra do Golfo chamado Peter (Michael Shannon). Como ambos são solitários, calha de um confortar o outro. Porém, Peter começa a manifestar alguns sintomas e acredita que está infectado por insetos que caminham por dentro do seu corpo, que apenas ele e Agnes podem enxergar. Se auto-enclausurando na pocilga que chamam de quarto, os dois vão se afastando cada vez mais do mundo exterior, enquanto helicópteros e representantes do exército começam a aparecer.
A trama parece interessante, não? O grande problema é que nada no filme fora bem desenvolvido, justamente pela falha de seus realizadores em perceber que se trata de uma obra para cinema, não de uma peça de teatro. Apesar de ambas as mídias envolverem interpretação, são linguagens completamente diferentes já que lidam com o público de modos distintos. Interpretações teatrais são, por natureza, mais intensas que a cinematográfica, já que a ação se desenrola naquele momento e frente ao público, além de não contar com as diversas ferramentas que filmagens comportam, como edição e ângulos de filmagens alternados, ou dar aos atores o luxo de repetir uma cena que não ficou tão boa. Já cinema exige uma maior sutileza, um certo minimalismo que deve existir até nas cenas mais esdrúxulas, algo que fora esquecido por William Friedkin, transformando "Possuídos" em um ridículo exercício de exagero em todos os aspectos. Seus atores, por exemplo, trabalham de forma excessivamente performática, se jogando freneticamente em frente à câmera e proferindo diálogos absurdos que acabam por levar o público às gargalhadas.
No tocante às atuações, Ashley Judd, que aparece em quase todas as cenas da fita, é o grande destaque negativo do filme. Sendo o nome mais conhecido da trupe, a atriz até que tenta em alguns momentos dar uma postura mais reflexiva a sua Agnes, mas seu esforço vai por água abaixo no que seria o clímax da produção, onde profere a pérola que abre este texto. O companheiro de cena de Judd, Michael Shannon, é o maior expoente da falta de diferenciação da produção entre teatro e cinema, já que interpretou o mesmo Peter na peça que deu origem ao filme, trabalhando seu personagem na película de maneira teatral, o que leva a sua atuação como o soldado desertor a beirar o ridículo de tão exagerada. Os demais personagens têm pouco tempo de cena, o que lhes salva de um vexame maior. Harry Connick Jr. como Jerry Goss, o ex-marido violento de Agnes, se limita a tentar bancar o machão em todas as cenas que aparece, enquanto a atriz Lynn Collins pouco tem a fazer como a "melhor amiga da protagonista" além de apresentar o casal principal. Já Brian F. O'Byrne vive o Dr. Sweet que irá entrar para a história como o pior psiquiatra que o cinema já viu, além de um dos nomes mais ridículos já criados ("Dr. Doce"? Parece marca de pirulito, pelo amor de Deus!).
A direção de William Friedkin nem parece ser daquele grande cineasta ganhador do Oscar por "Operação França". Usando e abusando de inapropriados - e esteticamente feios - zooms, o diretor ainda consegue piorar o desempenho de seus atores, colocando-os em posições bizarras para encobrir suas... partes íntimas, apelando até mesmo para o recurso de colocar objetos de cena na frente dos intérpretes, algo digno da série "Austin Powers", sendo que o riso aqui não era o alvo, mas acaba por ser a conseqüência. O trabalho de edição, feito por Darrin Navarro, consegue tornar a experiência de assistir ao filme ainda mais excruciante, já que não dá um pingo de ritmo à produção e transforma alguns diálogos tão interessantes quanto ver tinta secando. Para não dizer que não se salva nada, gostei da direção de fotografia feita por Michael Grady ("Crimes em Wonderland"), que conseguiu lidar com a desconstrução do quarto de Agnes - onde se passa 95% do longa - e transferiu a claustrofobia do lugar para as cores da produção.
A fita está sendo vendida de maneira absolutamente equivocada pela sua distribuidora, a Califórina Filmes, que a está colocando no mercado como se fosse um filme de terror (gênero que consagro Friedkin com "O Exorcísta") quando, na verdade, se trata de uma película experimental. A rotulação incorreta do longa é comprovada pela alteração de seu título - o original, "Bug", traduz-se "Inseto", bem mais condizente com a trama. Isso, no entanto, em nada afetou o mérito da "obra", já que esta falha até mesmo em seu caráter alternativo, se tratando de uma produção sem ritmo, nexo narrativo e com atuações bizarras, no pior sentido da palavra. "Possuídos", no entanto, logrou êxito em algo: ser o pior filme que já vi em toda a minha vida."

airtonshinto said...

LUIZ FERNANDO GALLEGO, do site Criticos.com.br:
"William Friedkin teve seus minutos de glória (na verdade, foram alguns anos da década de 1970) a partir dos prêmios da Academia de Hollywood para Operação França, ao qual se seguiu o enorme sucesso de bilheteria baseado em um best-seller de terror com pitadas de misticismo católico, O Exorcista. Pensando bem, nada do que se orgulhar muito se a mesma década estava assistindo ao despontar de conterrâneos norte-americanos como Scorsese, Coppola e Spielberg – só pra ficarmos nos mais famosos e com lastro mais conseqüente.
Superestimado, Friedkin nunca mais tangenciou os sucessos de estima em prêmios ou de bilheteria, mostrando ser apenas um artesão razoavelmente eficiente em matéria de carpintaria cinematográfica à americana, com alguns resultados satisfatórios esparsos cercados de equívocos por muitos lados.
Não que ele não tenha tentado vôos mais ousados (para o conservadorismo ianque), por exemplo, em Parceiros da Noite, de 1980, que - apesar de conter uma daquelas interpretações magníficas de Al Pacino - escorregou no julgamento de “homofóbico”, exatamente para quem havia filmado uma das primeiras peças a abordar hábitos dos gays dez anos antes, em Os Rapazes da Banda. Dizem que um relançamento recente no exterior teria reabilitado Parceiros do “preconceito” que sofreu. A conferir - se chegar por aqui, nas telas ou em DVD. Mas, o que esperar de quem cometeu Jade em 1995, algo próximo aos mais medíocres filmes de “sexploitation” de Adrian Lyne ou até mesmo de Zalman King?
O que se observa na filmografia de Friedkin é um eterno retorno aos filmes de ação, provavelmente tentando um novo Operação França, do qual teria se aproximado com Viver e Morrer em Los Angeles; ou aos filmes de terror como A Árvore da Maldição, certamente visando um novo Exorcista - que não aconteceu. Outras tentativas, talvez em busca de prestígio, foram as refilmagens de Salário do Medo, de Clouzot, e de Doze Homens e uma Sentença, de Sidney Lumet - para a TV, de onde a trama era originária antes mesmo de ser levada às telas grandes.
Uma expectativa de prêmio da crítica em Cannes (2006) pode influenciar para a decepção com este Possuídos - mas não muito. Um de seus problemas centrais parece estar na transposição da peça original para o cinema feita pelo mesmo autor do texto teatral, sem que nem o escritor nem o diretor tenham conseguido afastar Bug (título original) do aprisionamento à fôrma de “teatro filmado” sem maior expressão fílmica. Dezenas de filmes já foram feitos em ambientes claustrofóbicos e quase - ou totalmente - em interiores com resultados cinematográficos de primeira ordem – o que, infelizmente, não acontece aqui.
A edição rápida das apocalípticas cenas finais com interpretações exaltadas e desesperadas da dupla Michael Shannon e Ashley Judd - gritando suas falas ensandecidas em ritmo de metralhadora - pode até distrair, mas o clima de terror “grand-guignol” revela o desespero maior de Friedkin, provavelmente saudoso do sucesso com os vômitos de abacate de Linda Blair como a menina possuída de O Exorcista. Aliás, o filme se perde especialmente na segunda metade em que esta apelação ao grotesco domina tudo. Mesmo o desempenho de Michael Shannon, exemplar em suas primeiras cenas quando passa com perfeição o estado psíquico fronteiriço de seu personagem, fica dominado pela obviedade patética do desfecho na base da loucura a dois (folie à deux).
A peça teria o mérito (questionável) de demonstrar uma verossímil observação psiquiátrica da evolução (ou involução) por parte da personagem feminina, que mal dissimula sua fragilidade interna com uma apenas aparente força exterior de “durona”, ao caminhar para a simbiose com a loucura do outro que domina sua visão de mundo. Ashley Judd também está ótima em transmitir a falsa segurança inicial de ‘Agnes’ (nome associado ao cordeiro sacrificial?) que se revela pérvia aos delírios de ‘Peter’. Carente, mulher de bandido que a espanca, mãe de uma criança desaparecida de suas vistas para sempre, Agnes é a “parte fraca” que se deixa dominar pela paranóia delirante de Peter, potencialmente propensa que seria desde sempre a embarcar em qualquer canoa furada que lhe ofertasse a ilusão de grandeza jamais alcançável.
O cinema de ficção já mostrou cenas de loucura explícita com precisão científica - mas nem sempre isso faz bons filmes. Polanski, em Repulsa ao Sexo, conseguiu melhores resultados para aulas de psiquiatria do que como cineasta quando se prendeu ao que era quase só “jornalístico” na semiologia psiquiátrica de um surto esquizofrênico da manicura interpretada por Catherine Deneuve. Foi mais feliz ao disfarçar Bebê de Rosemary como filme de terror – mas que também podia ser visto como um dissimulado caso de psicose gravídica e pós-parto. A ambivalência é a alma do negócio quando se consegue a sutileza que escapa ao óbvio literal.
Com Buñuel, o resultado foi brilhante: dissecou uma paranóia de ciúmes em O Alucinado ao mesmo tempo em que inaugurava uma galeria de personagens burgueses que queria criticar, tal como o fantasioso Archibaldo de La Cruz de Ensaio de um Crime - e que atingiria a perfeição em Bela da Tarde - com a mesma Deneuve de (e com quase a mesma) Repulsa ao Sexo.
De que servem filmes corretos do ponto de vista psiquiátrico e psicanalítico? Lacan dava aulas sobre paranóia exibindo O Alucinado, mas o filme também pode ser apreciado pelos ângulos surrealista e de crítica social, caracterizando uma polissemia preciosa das obras com múltiplas leituras que se deixam ver e rever com renovada admiração. Já Spider, de Cronenberg (outro superestimado cultor de cenas grotescas e gratuitas a la “grand guignol”), parece um tratado de explicação psicanalítica de uma “case story” com pouco mais de atrativos além deste. Pior ainda, a loucura no cinema, com raras e honrosas exceções, tende a estimular o preconceito de mostrar esquizofrênicos como assassinos em potencial em uma freqüência infinitamente maior do que as estatísticas médico-forenses reais.
Se em O Inquilino Polanski ganhou um álibi pela leitura de uma metáfora da xenofobia em outro filme com gratuidades de bizarrices atribuídas à perda da razão, pode-se tentar reabilitar este Possuídos pela questão da paranóia americana acentuada na atualidade (embora venha desde muitas décadas atrás). Para defender esta tese poderiam argumentar com as cenas iniciais em tomadas aéreas (?) e dos telefonemas que ‘Agnes’ recebe sem que ninguém fale nada do outro lado da linha - e que ela atribuía ao marido recém-saído da prisão, mas que ele negará ter dado. A ambigüidade do filme fica em cenas que não distinguem delírio de fatos diegéticos, o que acaba soando como um recurso gratuito de ficar em cima do muro. E o que fica de impressão final é de que tudo não passou de maior gratuidade ainda para explorar mais uma “case story” de loucura, agora a do tipo que é implantada por um paranóico mais dominador em uma personalidade mais frágil que se deixa dominar numa “folie à deux”. Bom para estudantes de psiquiatria? Talvez sim, talvez nem isso, pois a sensação de exploração da loucura de forma grosseira deverá incomodar mais do que trazer a comum admiração por parte de leigos que ficam ingenuamente fascinados com os desvios psíquicos aos quais estamos sujeitos.
E os que não curtem sadismo de grand guignol nem verão muita diferença entre o desfecho do filme de Friedkin e o de uma lamentável reapropriação do argumento de Janela Indiscreta, de Hitchcock, misturada com o desenvolvimento do (já) antigo filme teen de vampiros (na época) atualizados, A Hora do Espanto: por aqui está coincidentemente sendo exibida com o nome de Paranóia (título original: Disturbia)."

airtonshinto said...

RICARDO CALIL, da Revista SET On Line:
"Diretor dos clássicos Operação França (1971) e O Exorcista (1973), o diretor americano William Friedkin ficou anos sem emplacar um grande filme. Mas ele volta agora a sua melhor forma com Possuídos, baseado em peça de Tracy Letts. O filme começa com o encontro entre dois personagens desajustados em um quarto de motel de Oklahoma: garçonete solitária (Judd), assombrada pelo desaparecimento do filho e pela saída da prisão de seu ex-marido (Connick Jr.), e um forasteiro silencioso (Shannon), veterano de guerra que vê insetos em toda parte e acredita estar possuído por suas larvas. Aos poucos, ele consegue convencê-la de suas paranóias, e os dois decidem isolar-se do mundo no quarto. Com apenas cinco atores (mas dois protagonistas em estado de graça) e uma história passada quase toda em um só ambiente, Friedkin faz um brilhante exercício de terror psicológico, borrando limites entre realidade e delírio e instaurando em cena um clima de pânico e claustrofobia. Nos últimos anos, poucos cineastas souberam usar tão bem a edição de som para compor a atmosfera de um filme - talvez apenas M. Night Shyamalan em A Vila e A Dama da Água. Para um senhor de 71 anos, Friedkin demonstra em Possuídos um invejável vigor. "

airtonshinto said...

BERNARDO KRIVOCHEIN, do site Zeta Filmes:
"William Friedkin despreza as possibilidades sci-fi da peça do autor/ator Tracy Letts e atira janela afora o que é sugerido de forma intrigante por Michael Shannon e pelos helicópteros que parecem aproximar-se cada vez mais. Para o diretor – e conseqüentemente para o público – é claro que os insetos que podem estar contaminando o casal Agnes e Peter não existem. Há uma diferenciação estilística evidente entre os momentos de idealização impossível (o sexo romantizado pela abstinência forçada de ambos os personagens principais é fotografado como um comercial de perfume e se destaca do restante do filme feito um peido na Igreja) e a imundice abafada da realidade que contamina a maioria do filme. O horror, tal qual em “O Exorcista”, se dá menos nas possibilidades sobrenaturais, mas nas manifestações físicas inacreditáveis, o velório confrontado com o processo de decomposição sem tampa no caixão. Para o público de nossa época, que limitou ao gênero “terror” uma conveniente terceirização da ameaça (normalmente etérea, em sintonia com as crenças zen-hereges em voga), “Bug” apresenta uma experiência frustrante enquanto tal tipo de cinema – pois vai contra as convenções aguardadas na abordagem, no ritmo, no tom. Mas “Bug”, que excede a metáfora sobre o estado de paranóia do indivíduo norte-americano contemporâneo estabelecida inicialmente, e ainda que muito próximo da cinematografia de David Cronenberg, descende diretamente do cinema de horror setentista, um horror engajado, desafiador, fruto de inquietações sócio-políticas, aquele que, embalado numa (assim considerada) vulgaridade estética e narrativa, forçava ao espectador reflexões agressivas, desiludidas sobre o estado das coisas.
Friedkin reinventa o “body horror” quase que por completo apenas por desimpedir os limites do corpo físico enquanto plataforma de angústias meramente individuais e ampliando o alcance do ato de auto-mutilação para uma esfera politicamente consciente, informada e global. Toda a rota inescapável de auto-destruição começa com o abraço sem resistência da idéia de que o governo pode invadir e interferir no físico dos cidadãos. Ela termina pelas tentativas frustradas de seus donos originais em retomá-los desse domínio de terceiros.
A sensação de paranóia se faz presente desde o minuto zero: Agnes (Ashley Judd) é mantida acordada por telefonemas insistentes de alguém que não se identifica. Ela, porém, tem quase certeza que se trata de seu violento ex-marido, Jerry (Harry Connick Jr.), recém-saído da cadeia, sujeito que ela não quer ver nem com um abacaxi enfiado no furico dançando asererrê. Largada na vida e afundando em abusos tóxicos para escapar dos traumas do passado, a garçonete afeiçoa-se ao nômade taciturno Peter (Shannon, reprisando no cinema seu papel na peça), companhia de uma noite regada a cocaína e bebidas. Os dois solitários logo se identificam e Peter vai se estabelecendo no quarto de motel barato que Agnes habita. O romance enfrentará vários obstáculos: o retorno de Jerry, as cicatrizes emocionais de ambos e esses malditos bichinhos, tão difíceis de matar quanto são impossíveis de ver. Os eventos desenvolvem-se lentamente, em estado de pupação, mas uma vez evidenciada a mudança de rumo, o filme transforma-se radicalmente.
Volta e meia, Friedkin recorre a intervenções aceleradas, que poderiam ter sido retiradas de qualquer filme MTVesco dos anos 90, apenas uma última afirmação do diretor em privilegiar a dinâmica cinematográfica frente à matéria-prima teatral (o filme ainda preserva a encenação limitada a um cenário e “Bug” certamente é mais instigante enquanto cinema nos momentos que enfrenta criativamente a limitação geográfica de sua trama inusitada), mas nem precisava. É seu único passo em falso (se é que pode-se considerá-lo assim; é apenas uma escolha que me desagradou enquanto espectador).
Alicerçado nas performances cinematográficas mais viscerais do ano, a ameaça em “Bug” pode ser microscópica (para não dizer invisível), mas seus corpos estão completamente à mostra, desnudos. A natureza de confrontação impregna até mesmo a forma como Agnes e Peter atiram-se violentamente ao conforto do outro – desesperados para escaparem de si mesmos. O amor, ou qualquer que seja o modo possível de rotular o relacionamento que se desenvolve entre eles, tem a função de mais uma das drogas recreacionais, alienantes, que os personagens ocasionalmente se servem, mas não tem na natureza descartável uma das suas propriedades (assim alinhando-se com o gênero terror, dispensado sem a menor cerimônia por críticos e públicos como algo menor, que não se comunica num nível emocional e social de real potência; mas vejam os filmes que deixam a mídia em polvorosa). Eles não podem, nem querem, escapar dos efeitos colaterais. Ambos se encontram num estado emocional tão irreparável que qualquer possibilidade de relacionamento afetivo está automaticamente condenado pelo fardo psicológico que carregam – os insetos são menos uma ameaça do que uma oportunidade de validar o sentimento. A possibilidade de identificação com a familiar situação de aprofundar-se em relacionamentos malditos em épocas de baixa auto-estima faz de “Bug” uma experiência tão deprimente quanto embaraçosa – graças a interpretação intensa e kamikaze de Ashley Judd (rivaliza-se com a performance de Laura Dern em “INLAND EMPIRE” para o prêmio de melhor atriz do ano) e do espetacular Michael Shannon, embora já conhecido pela excelência em filmes como “Grand Theft Parsons” (o único hippie que jamais gostei de ver em tela) e em “8 Mile”, finalmente tendo o espaço para dominar um filme por completo. A transformação de Shannon em cena é algo de monumental e de todo imperdível.
Mais do que preservar uma coerência temática com o restante de sua cinematografia (ainda que os submundos/além-mundos de “Operação França”, “Viver e Morrer em Los Angeles”, “Parceiros da Noite” e o já citado “O Exorcista” fiquem mais explícitos do que o universo militar-científico aqui apenas sugerido, este aspecto vale tanto quanto os processos de degeneração forçados à Agnes, Peter, Popeye Doyle, Steve Burns, Regan, etc.), Friedkin deixa seu cinema redescoberto assimilar as influências enquanto diretor de ópera, seja na engenhosidade da encenação, seja no complexo desenho psicológico dos personagens. No final, nem tanto o terror ou o reflexo ambíguo da paranóia americana ao que o fabuloso clímax em que Judd e Shannon completam uma estranhíssima, mas sincera jura de amor (atacando a verborragia das imortais teorias da conspiração) nos deixa concentrados no terminantemente humano. Aqui, a revelação mais trágica se dá na percepção de“Bug” enquanto uma inesperada e perturbadora ópera de horror despida de todas as fantasias e evidências de seu aspecto fantástico, ópera sem música estabelecida na contemporaneidade na qual seus personagens tão possíveis, violentados por uma realidade longe da ideal, resistem a ter que aceitar que o amor talvez lhes seja contra-indicado. "

airtonshinto said...

RODRIGO CARREIRO, do site Cine Reporter:
"Um homem e uma mulher, sozinhos, dentro de um quarto de hotel. Munido exclusivamente desses três elementos, o veterano cineasta William Friedkin (“Operação França”, “O Exorcista”) fez um dos filmes mais esquizofrênicos e intrigantes dos últimos tempos. “Possuídos” (Bug, EUA, 2006) dividiu a crítica norte-americana – foi amado e odiado na mesma proporção, sempre com ardor – porque é bem difícil de ser classificado em um gênero específico. Tem sido descrito como filme de horror, mas oferece uma leitura bem mais complexa e proveitosa se encarado como um amargurado conto de amor, solidão e loucura. A história é uma metáfora sobre carência afetiva, tendo como protagonistas dois anônimos que redefinem aquilo que conhecemos como “losers”, ou fracassados. David Cronenberg se orgulharia de tê-la assinado.
A história focaliza uma mulher assustada e solitária que vive nos confins do deserto norte-americano. Agnes (Ashley Judd) trabalha como garçonete, mora num motel vagabundo de beira de estrada, e passa as noites afogada num mar de álcool e drogas. Ela vive um período de extrema ansiedade devido à iminente libertação do ex-marido violento (Harry Connick Jr), que andou preso por dois anos e ameaça retornar para casa, sem que ela possa fazer nada para impedir. As coisas mudam um pouco quando Agnes é apresentada a Peter (Michael Shannon), um rapaz tímido, introvertido e gentil. A presença dele parece oferecer alguma segurança contra os rompantes violentos e indesejados do ex-marido. Uma conexão afetiva começa a se estabelecer – e isto é algo muito perigoso quando as duas almas em questão são seres carentes e cheios de traumas do passado.
Agnes e Peter logo se reconhecem como duas pessoas maltratadas pela vida e, inicialmente sem intenções sexuais, iniciam uma relação de interdependência que logo se revelará destrutiva. “Possuídos” foi produzido com o minúsculo orçamento de US$ 4 milhões. Dá uma aula de economia em múltiplos níveis, inclusive no narrativo e, sem dúvida, também no orçamentário. O filme foi adaptado de uma peça de teatro alternativa escrita por Tracy Letts, que também assina o roteiro. A origem teatral fica evidente devido à grande quantidade de diálogos, mas – ainda bem – o roteirista usa as palavras com eficiência, criando conversas aparentemente banais, mas repletas de significados ocultos. Friedkin e Letts não cedem à tentação de criar conversas meramente expositivas.
Filmado quase completamente dentro de um único cenário, o longa-metragem aos poucos vai se revelando uma experiência claustrofóbica e perturbadora, especialmente a partir do segundo ato, quando a história toma um rumo completamente imprevisível. O fator responsável por isso é a combinação de uma direção firme e segura com as atuações espetaculares do par central. Friedkin, 70 anos durante as filmagens, mostra fôlego de garoto, filmando com tesão e vigor. Perceba como ele acentua o teor claustrofóbico do filme utilizando técnicas simples, como a iluminação em chave baixa – o quarto de motel onde o casal vive é iluminado apenas por uma janela que está sempre coberta por persianas – e a câmera em leve posição de contra-plongée (ou seja, filmando de baixo para cima e comprimindo os atores contra o teto). Juntas, as duas técnicas suprimem os espaços livres e sugerem uma atmosfera de asfixia emocional.
Além disso, o diretor também demonstra perfeito senso de controle da edição sonora, preenchendo o filme desde o princípio com pequenos ruídos (helicópteros, sirenes, zumbidos insistentes) que se intrometem nas conversas como intrusos e ajudam a manter a tensão sempre crescente. A seqüência em que Peter começa a escutar um grilo dentro do quarto, em particular, é genial. Funciona como um microcosmo do filme como um todo e fornece uma pista importante, para o espectador, tanto do tipo de paranóia que o sujeito cultiva quanto do comportamento inusitado de Agnes, cujo medo da solidão a torna compulsiva em ceder ao outro. Sem pressa, Friendkin administra com eficiência a tensão, e a faz explodir em um terceiro ato ainda mais surpreendente, que arremessa o filme em uma direção nova, original e excitante. Uma direção que, numa análise superficial, pode até sugerir um clima trash, algo que o filme não é, e nem quer ser.
De qualquer forma, “Possuídos” não seria um filme redondo se o elenco não estivesse tão bem. Ashley Judd, bela atriz que nunca havia conseguido mostrar talento nos thrillers meia-boca que estrelou, encarna um personagem difícil com a generosidade de uma mãe, e muito senso de humanidade, apesar da cocaína e do álcool. Michael Shannon (que a maioria das pessoas não conhece, mas apareceu em “As Torres Gêmeas”, de Oliver Stone) repete com naturalidade espantosa o papel intenso que encenara com sucesso nos palcos de Nova York. Humildes, melancólicos e depressivos, os dois formam um par de anjos caídos absolutamente perfeito. E os coadjuvantes Harry Connick Jr (como um quase-psicopata que lembra um pouco o serial killer de “Copycat”) e Lynn Collins funcionam como complemento adequado para a dupla principal brilhar.
Em tempo: o patético título nacional tenta forçar uma associação do longa-metragem com “O Exorcista” (1973), o mais conhecido trabalho de William Friedkin. No entanto, nada há de comum entre os dois. Aqui não existe o menor traço de sobrenatural, e nem mesmo insinuações de possessões demoníacas. O título original significa literalmente “inseto”, e faz todo o sentido do mundo. Assista e confira por si mesmo. O DVD da Califórnia Filmes não traz nenhum extra, e a distribuidora não informa o formato da imagem e nem dá informações sobre as trilhas de áudio."

airtonshinto said...

MARCELO HESSEL, do site Omelete:
"É frequente ouvir que não se fazem mais suspenses e terrores como nos anos 70. Nada melhor, portanto, do que um ícone da época para oxigenar o gênero hoje.
Depois de dirigir O Exorcista em 1973, William Friedkin - que já havia feito seu nome dois anos antes com Operação França - não realizou nada muito digno dos cânones. Filmes como Caçado evidenciam o talento do diretor no manejo da câmera e o seu domínio do espaço cênico, mas o sucateamento progressivo de roteiros em Hollywood não fez bem a Friedkin. Não é sempre que se transforma água em vinho.
Não por acaso, Possuídos (Bug, 2006) parte de uma peça de teatro, de autoria do também ator Tracy Letts. A origem se trai pela verborragia dos diálogos em cenário restrito, mas não é nada que, na mão de um Friedkin, não deixe de virar um acontecimento cinemático. Quem pedia a volta do suspense da velha guarda, com atenção à psicologia dos personagens e sem sustos fáceis, não precisa temer Bug por conta da sua eventual teatralidade.
Aqui o título em português do filme será ignorado - primeiro porque evoca erroneamente uma geração recente de enlatados sobrenaturais (e de sustos fáceis) e segundo, afinal, porque de possessão Bug não tem absolutamente nada. Mais adequado é o slogan do filme: "Paranóia é contagiosa". A sua premissa está contido nessa frase.
Na trama, garçonete solitária, Agnes (Ashley Judd) vive com medo de seu abusivo ex-marido, recém-saído da prisão (papel de Harry Connick Jr., de Will & Grace). Vive com tanto medo que chega a pedir que Peter (Michael Shannon), um estranho que uma amiga a apresentou num bar, se hospede com ela em um quarto de motel. Juntos, Agnes e Peter se confortam - mas só até que os primeiros insetos do título comecem a aparecer.
A paranóia está na imagem - mais especificamente, na câmera subjetiva de Friedkin que se passa por ponto-de-vista de Agnes. Ela observa os vidros dos carros estacionados no motel e percebe que só o seu tem uma propaganda colada no pára-brisa - deve haver aí algum tipo de complô. No supermercado, o olhar de Agnes se detém sem razão sobre a banca de cebolas - não se sabe que tipo de risco pode haver ali, mas certamente há.
Estar no mundo, em si, já é sofrer uma conspiração - e neste começo de filme Friedkin deixa isso bem claro. A cada close que ele dá em ventiladores, maçanetas, persianas, tal a proximidade entre câmera e objeto, imagina-se um perigo diferente. Será que o ar está contaminado? Será que vai entrar o maníaco? Será que a janela se espatifará? É o vício de antever o susto: o espectador fica tentando adivinhá-lo, e o segredo do bom suspense é que o susto nunca chega.
Soterrados pelo medo, resta a Agnes e Peter a segurança do motel. Bug dá uma virada a partir da metade e a câmera não sai mais de dentro do quarto. Lição de John Ford aplicada com esmero: filmar o casal em planos fechados e em leve contra-plongé (quando a câmera enquadra de baixo para cima) para "rebaixar" o teto e aumentar a sensação de claustrofobia. A paranóia é trabalhada também na audição - barulhos de insetos, de luzes, de ar-condicionado, barulhos mínimos soprepostos. Se Jeffrey Haupt não levar o Oscar do ano que vem por mixagem de som vai ser marmelada.
Friedkin instaura o pavor de tal maneira que o elenco parece - aí sim - possuído. Ashley Judd não tem talento suficiente para declamar um texto denso como o de Bug com boa fluência. Os seus trejeitos fazem rir e a fala parece decoreba. Mas a certa altura (mais especificamente, na hora da "super mother bug") ela fica tão descontroladamente entregue ao papel que dá até para crer que a atriz sabe o que está fazendo. Não se engane: ela não sabe. Quem sabe o que está fazendo é William Friedkin."

airtonshinto said...

ALEXANDRE KOBALL, do site Cineplayers:
"Baseado em uma peça teatral, Possuídos é um daqueles filmes do tipo “ame-o ou deixe-o”. É bem fácil encontrar membros da crítica e do público trucidando este novo trabalho do diretor William Friedkin (que dirigiu a obra-prima policial Operação França e o famoso O Exorcista, em sua versão original). Ao mesmo tempo, é bem fácil encontrar pessoas que vêm tecendo elogios ao filme. Uma obra dúbia, sem dúvida, e principalmente não muito fácil de ser compreendida. O que Possuídos (outra tradução brasileira medíocre de um filme estrangeiro) não é, de forma alguma, é um suspense ordinário. Se você espera tensão e medo, você vai sim encontrar esses elementos no filme, mas não da forma clichê que vemos em thrillers medíocres. Vamos, então, a uma análise mais detalhada dos fatos.
Possuídos passa-se quase que inteiramente dentro de um quarto de hotel, o que não é uma surpresa quando se conhece a origem teatral do roteiro. Nesse quarto vive Agnes (Ashley Judd em um papel, no mínimo, bastante difícil), que conhece, através de sua amiga homossexual R.C., Peter, um sujeito de poucas palavras que acaba passando uma noite no tal quarto. Meu objetivo aqui não é traçar em detalhes o que acontece a partir daí (para isso, basta procurar pela sinopse do filme em um lugar qualquer), principalmente pelo fato de que, para fazer isso, seriam necessários alguns parágrafos (iria ficar muito cansativo para você ler) e, sinceramente, não há uma única explicação para os acontecimentos. E é aí que Possuídos começa a mostrar suas boas qualidades.
Sem entrar em grandes detalhes do enredo, posso dizer que o filme pode ser intepretado de duas formas diferentes: da forma mais literal possível (tudo o que houve era, de alguma forma, realidade) ou como uma grande viagem mental (estava tudo na cabeça dos personagens). As duas perspectivas são plausíveis; as duas perspectivas possuem pontos fortes e, principalmente, as duas perspectivas possuem muitas perguntas sem respostas. Por isso não estranhe se ao final do filme você tiver a sensação de não saber se gostou ou não do que viu. Muitos diretores fazem isso. Deixam o público sem resposta para tudo. Às vezes isso é bom, outras não. Depende muito do espectador e até mesmo da boa vontade do espectador. Aqui, considero que tenha sido a saída ideal para o roteiro. Explicar tudo o que houve teria sido banalizar os fatos.
O melhor de Possuídos, então, não é exatamente seu final ou as explicações que podem ser dadas em relação a ele. É a viagem que o filme proporciona. Naquele quarto mal-arrumado acontecem muitas coisas interessantes e momentos verdadeiramente inspirados. A sensação de desconforto dura quase o tempo todo, mas é uma sensação boa, que nos coloca juntos dos personagens, fazendo-nos vivenciar, de certa forma, seus próprios sentimentos. Isso dá uma força enorme a Agnes e Peter. Sendo assim, quando o filme chega a seu clímax, as atitudes de ambos (e a decisão final, trágica) ganha enormes proporções. Mas isso somente graças ao desenvolvimento muito bom da história.
A atriz responsável por encabeçar isso tudo é Ashley Judd. Devido à natureza totalmente anti-comercial do longa-metragem, não há chances para ela em premiações grandes, mas que fique registrado seu excepcional trabalho. Peter permanece quase que um total mistério o filme todo (afinal não há como saber se ele era um louco realmente), e o ator Michael Shannon possui uma passagem particularmente notável dentro do filme, e certamente bastante complexa, quando ele começa a ter espasmos por conta dos insetos que tomaram conta de seu corpo (sejam eles reais ou não). O filme possui apenas mais dois atores principais – Lynn Collins (R.C., um tanto quanto artificial em cena) e Jerry, que desempenha papel secundário mas fundamental dentro da trama. Foi interpretado por Harry Connick Jr., em atuação que expõe mais o seu corpo do que sua capacidade de interpretar sentimentos.
No mínimo, o filme vale pela experiência diferenciada. A sensação que tive em muitos momentos foi a de estar assistindo a um novo trabalho de Terry Gilliam, dado o nível de esquizofrenia de seus personagens. Possuídos proporciona uma das experiências mais interessantes do ano e, sem querer ser um filme feito para agradar a espectadores mentalmente limitados, desperta sensações quase que alucinógenas em quem consegue “entrar” na história. Ali, naquele pequeno quarto, William Friedkin voltou a se mostrar um bom diretor, criando uma atmosfera magnífica para tudo. O filme só não é melhor pois ainda há uma certa aura hollywoodiana, carecendo de sujeira e realismo em certos momentos. Apesar da natureza trágica dos eventos e da locação em que foi filmado, é tudo muito limpo. Isso, contudo, é insuficiente para fazer Bug (o nome original é muito melhor) sujeitar-se a críticas negativas maiores. Não é sobre monstros ou insetos, é sobre dois personagens que passaram por uma situação extraordinária. Mais do que recomendado!"