Crítica de Rita Toledo, do site da Revista Piauí:
"Em uma cena do filme do realizador tailandês Apichatpong Weerasethakul, uma princesa, que observa triste sua imagem refletida em um lago, julgando-se feia, é interpelada por um peixe que fala e a seduz. Diante da belíssima cena de caráter fantástico, o espectador ocidental poderia perguntar-se sobre os mitos tradicionais tailandeses, onde o diretor parece buscar inspiração, e imaginar as maravilhas de uma cultura distante, que o cinema talvez pudesse ajudar a revelar ou aproximar, mas que manteriam a obra de Apichatpong encoberta por certa névoa enigmática.
Perguntado pela revista francesa sobre a origem de tal cena, o diretor frustra e fascina o entrevistador. Assim como outros tantos elementos de seu filme, a cena realiza espécie de homenagem a programas de TV tailandeses, os quais ele tinha o hábito de assistir quando criança, onde monstros, princesas e animais falantes povoavam histórias fantásticas e de grande popularidade.
Mas, se a graça da resposta de Apichatpong faz pensar sobre o imaginário televisivo que compartilhamos – brasileiros, franceses e tailandeses –, e que parece construir referências culturais, linguagens e estéticas mais comuns do que supomos à primeira vista, em “Uncle Boonmee...” o diretor deixa clara sua intenção de realizar um filme sobre o cinema. São muitas as referências a grandes filmes, e é evidente o interesse por uma reflexão sobre a imagem e a ilusão cinematográficas. Por exemplo, logo no início do filme, o filho de Uncle Boonmee retorna à casa do pai, anos após seu desaparecimento na floresta, transformado em um macaco de olhos vermelhos. Sentado à mesa de jantar com a família, ele esclarece que sua fuga e sua transfiguração em animal tiveram origem no encanto por uma imagem. Um dia, ao sair com sua câmera pela floresta, o jovem fotografou uma estranha criatura saltando entre as árvores. Fascinado pela foto, tal como o fotógrafo de “Blow-up – Depois daquele beijo” (1966), de Antonioni, ele vai atrás da criatura fotografada e acaba decidindo viver entre os macacos gigantes, abandonando a família e sua existência humana.
Se lança mão de espíritos que retornam de vidas passadas ou de seres bizarros, Apichatpong também sabe explorar, com destreza, a potência dos sons e do escuro da floresta ou a emoção dos personagens em situações dramáticas comoventes. O resultado é um filme delicado, cuja simplicidade narrativa evoca o desejo pela imagem, a vontade de arriscar-se, de propor a construção de um universo próprio, o universo do autor: verdadeiro cinema ao ar livre."
Notas da Crítica:
Bruno Marques, Almanaque Virtual: 5/5
Leonardo Luiz Ferreira, Almanaque Virtual: 5/5
Neusa Barbosa, Cineweb: 5/5
Geo Euzebio, Cineplayers: 10/10
Cassio Starling Carlos, Guia da Folha: 4/4 ("assombroso")
Inácio Araujo, Guia da Folha: 4/4 ("de imagens inegavelmente fortes")
Leonardo Cruz, Guia da Folha: 4/4 ("fantasmas! Chewbacca!! Monga!!!)
Pedro Butcher, Guia da Folha: 4/4 ("filme dos mistérios e maravilhas")
Gilberto Silva Jr., Contracampo: 4/4
Leonardo Levis, Contracampo: 4/4
Marcelo Hessel, Omelete: 5/5
Kenia Freitas, Cineplayers: 9,5/10
Vlademir Lazo, Cineplayers: 9/10
Daniel Dalpizzolo, Cineplayers: 8/10
Heitor Augusto, Cineclick: 4/5
Carlos Alberto Mattos, Almanaque Virtual: 4/5
Daniel Schenker, Almanaque Virtual: 4/5
Mario Abbade, Almanaque Virtual: 4/5
Suzana Uchôa Itiberê, Preview: 8/10
Christian Petermann, Guia da Folha: 3/4 ("decifra-me ou te entedio")
Marina Person, Guia da Folha: 3/4 ("belo e inclassificável")
Alice Furtado, Contracampo: 3/4
Calac Nogueira, Contracampo: 3/4
João Gabriel Paixão, Contracampo: 3/4
Airton Shinto, Shintocine: 7/10
Amir Labaki, Guia da Folha: 2/4 ("um quê de Macunaíma")
Suzana Amaral, Guia da Folha: 2/4 ("para amar ou detestar. Um risco")
Pablo Villaça, Cinema em Cena: 2/5 ("filme de festival - concebido com a clara intenção de agradar ao circuito de arte, empregando técnicas narrativas típicas de produções vistas como cult")
2) Poesia
Crítica de Fábio Andrade, da Revista Cinética:
"A dor da criação
A primeira meia hora de Poesia deixa claro que o filme retrabalhará várias das predileções, e dos problemas, de Sol Secreto, trabalho anterior de Lee Chang-dong. Se por um lado temos uma rara consciência da necessidade de se encarar frontalmente o trauma e o luto sem fugas graciosas, por outro temos as mesmas tintas carregadas na encenação desses mesmos momentos, em uma dificuldade notável de fazer o que é interno às personagens aflorar à superfície dos atores. Mija (Yoon Jeong-hee) está sofrendo de alzheimer e seu neto - que ela sustenta e tem como única companhia - teria se envolvido no estupro de uma colega de colégio, que se suicida poucos dias depois. Sem o dinheiro necessário para pagar o acordo oferecido à mãe da vítima pelos pais dos outros estupradores, Mija entra em uma turma que estuda prática de poesia e segue com sua vida, trabalhando como enfermeira para um senhor debilitado por um derrame.
A desgraça, como se vê, não é pouca, e o impulso paliativo ao belo que marca as aulas de poesia parece, à primeira vista, promessa de um alívio tão nobre quanto ineficiente diante do horror. Mas aos poucos Lee Chang-dong vai revertendo essa lógica, colocando em crise a posição da realização artística diante do mundo. Pois Mija não consegue fazer poesia. Ela segue as orientações do instrutor, contempla a natureza, abandona uma reunião com os pais dos colegas de seu neto para ir olhar as flores no jardim (em um plano que sintetiza perfeitamente, com uma janela que liga e separa dois ambientes, toda a desconexão da personagem)... e, ainda assim, nada. Não há experiência estética, estado de criação ou desprendimento que sobreviva diante das lembranças da mãe da garota suicida andando pela rua aos prantos, sem sapatos, agarrada pelo filho mais novo que tenta consolá-la. Para poder criar, Mija precisará abraçar o horror.
Se essa equivalência pode trazer um subtexto utilitário um tanto problemático - uma vez que o luto e o sofrimento seriam reduzidos a mero combustível artístico - Lee Chang-dong leva essa relação um tanto mais longe. Em um primeiro momento, surge a necessidade de experimentar o horror. Mija vai à sala onde seu neto teria estuprado a menina morta; vai à ponte de onde ela se jogou e contempla o rio de seu ponto-de-vista; vai à sua casa, toca em seus retratos, respira o ar que ela deixara ali, não respirado. Não há poesia possível nesse mergulho funerário. O que existe é a impregnação em um trauma que não está ali, naquele gesto voluntário, mas sim nos cacos de quem permanece e tem seu corpo e espírito marcados pela duração, seja na boca entortada pelo enfarte, ou na memória que começa a rarear.
Com toda sua dificuldade de tom, Poesia ganha força sempre que encara suas dificuldades de representação de frente - e, nesse sentido, a cena em que Mija presta favores sexuais a seu patrão é exemplar no que ela decide mostrar, e também no que faz questão de esconder. O incômodo (e aí não é o incômodo sexual, mas sim de como a expressão do rosto do sujeito permanece enigmaticamente retorcida - seria prazer ou a ausência absoluta de prazer?) é parte indispensável à existência: o Alzheimer faz a protagonista esquecer as palavras, mas nunca a impede de se lembrar do que realmente gostaria de esquecer. E não é exatamente isso que o professor diz ser necessário para se criar poesia? Para escrever, ele orienta, é preciso aprender a ver as coisas pela primeira vez.
A providencialidade do esquecimento generalizado é contrastada ao congelamento da memória encontrado na poesia. Pois tanto a realização poética quanto o luto encontram um terreno comum, que será confirmado na sequência final. Mais do que um atalho, a poesia se torna o caminho que leva direta e inevitavelmente ao sofrimento e, consequentemente (ao menos gostamos de imaginar com o que fica para além do filme), à sua purgação. É a dor que torna operativo o que Mija dizia sentir desde sempre: um gosto pelas flores e por dizer coisas estranhas. Escrever, portanto, não é apagar o sofrimento. Ao contrário: é apegar-se definitivamente à sua força, com a disposição de deixar que ela te leve para o fundo do rio."
Notas da Crítica:
Cassio Starling Carlos, Guia da Folha: 4/4 ("beleza pura")
Christian Petermann, Guia da Folha: 4/4 (delicadeza memorável")
Inácio Araujo, Guia da Folha: 4/4 ("acha-se, não se procura")
Leonardo Cruz, Guia da Folha: 4/4 ("Lee é um dos melhores cineastas da Ásia")
Suzana Amaral, Guia da Folha: 4/4 ("belo filme, agrada aos poucos")
Roger Ebert, Sun Times: 8,75/10
Alysson Oliveira, Cineweb: 4/5
Celso Sabadin, Cineclick: 4/5
Filipe Codeço, Almanaque Virtual: 4/5
Marcelo Hessel, Omelete: 4/5
Marina Person, Guia da Folha: 3/4 ("versos delicados")
Vlademir Lazo, Cineplayers: 7/10 ("Não é filme para se desprezar, mas menos ainda para se amar.")
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 3/5
Amir Labaki, Guia da Folha: 2/4 ("roteiro maior que o filme")
Crítica de Emilio Franco Jr., do site Cineplayers:
"Qualquer pessoa sabe que a crise financeira internacional de 2008 abalou os mercados de todo o mundo. Alguns têm mais ciência de suas causas e efeitos, outros menos. Com a falência do banco de investimento Lehman Brothers, deflagrou-se o caos no sistema financeiro, com efeito cascata nas demais instituições do gênero. O que este documentário vencedor do Oscar mostra são os meandros dessa crise, analisando desde o passado de desregulamentação do mercado por parte do governo norte-americano até as consequência atuais.
Querendo ser amplo em seu estudo, Trabalho Interno abre demais o leque para não deixar absolutamente nenhum aspecto de fora, mas parece perder o foco em sua jornada investigativa quando, por exemplo, aborda o conflito de interesses de professores conceituados de Universidades como Harvard e Columbia ao atuarem como consultores de instituições financeiras, o que os leva não só a educar os futuros econômicos e administradores com conceitos duvidosos, e sabendo que estão fazendo isso, mas também a prestarem consultorias fraudulentas. Tudo em nome de remunerações altíssimas.
Essa mesma relação de dependência do capital leva as agências de classificação de risco a fecharem seus olhos para os problemas que evidentemente poderiam constatar em seus ratings. O documentário mostra todos esses aspectos e desenvolve sua narrativa de forma didática, disposto a não deixar nenhuma vírgula de fora. Contudo, essa opção não é eficaz, porque o assunto é maçante para duas horas de linguagem econômica. E nem recursos gráficos diminuem esse problema; só acentuam o equívoco na forma. Por mais que o assunto seja bem esmiuçado, não há tempo para absorver tudo o que é passado. A narrativa poderia ser menos abrangente e negligenciar pequenos pontos para causar reflexão maior no espectador comum.
Entretanto, Trabalho Interno é louvável ao fazer uma contunde crítica ao sistema financeiro sem poupar o sistema político que o sustenta. E o principal mérito é não ser partidarista nessa denúncia. Sobra para republicanos e democratas que, como evidenciado, insistem em repetir o erro. Por que será? Ainda é estarrecedor ver que os mesmos nomes dominam postos estratégicos da maior economia do mundo, e a mais influente delas, com persistência em ideias fracassadas e a serviço de especuladores. Mesmo depois da turbulência global, todos continuam felizes recebendo bônus milionários para levar suas empresas a bancarrota e destruir a economia mundial. O importante, dentro desse sistema autodestrutivo, é acumular quando pode e também quando não pode.
Se por vezes o excesso de didática é consequência de equívocos no roteiro, o mesmo não se pode dizer do brilhante início, no qual o foco é a Islândia. Considerado modelo por anos, o país possuía bancos estatais regulados com olhos de águia pelo governo e a estabilidade econômica resultava em prosperidade nas condições de vida dos moradores. Mas, por interesses escusos, o país permitiu a privatização de suas instituições e, assim, tornou-se alvo de especuladores e mais um dentro do interligado sistema financeiro global. E é a partir do estouro da crise e da clara culpa norte-americana na atual situação dos islandeses que o documentário faz a ponte para criticar os Estados Unidos.
O diretor Charles Ferguson abusa de gráficos para explicar o que são aqueles números gigantescos e a venda de títulos podres que acarretou na bolha do crédito imobiliário. O colapso no sistema de hipotecas foi culpa da terceirização de títulos por parte de bancos de investimento como o Lehman Brothers e a especulação financeira cegamente apoiada pelas agências de risco. Ninguém fez o papel que deveria, é isso que o documentário deixa claro. Sem poder negar ter conhecimento dos problemas da desregulamentação crescente, mas mesmo assim fazendo isso, economistas, professores, políticos e diretores de bancos se fazem de dissimulados. A impressão é de que preferem passar por mentirosos do que perder seus altos cheques anuais.
Agrada o estilo quase agressivo e constrangedor de Ferguson durante as entrevistas com muitos dos responsáveis por esse caos, mas o crescente didatismo de sua narrativa, quase transformando o documentário em uma aula cinematográfica de economia, é equivocado, e ainda assim, como já disse, não permite a absorção completa do conteúdo. Mas, Trabalho Interno não deixa de ser interessante e esclarecedor para quem de alguma forma se interessa pelo tema ou está habituado a ele. Ferguson é claro: somos reféns de um sistema corrompido."
Notas da Crítica:
Filippo Pitanga, Almanaque Virtual: 5/5
Neusa Barbosa, Cineweb: 5/5
Roger Ebert, Sun Times: 10/10
Ritter Fan, Metido a Crítico: 9/10
Rodrigo de Oliveira, Paradoxo: 89% de 100%
Emilio Franco Jr., Cineplayers: 6/10
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 2/5
4) RangoCrítica de Pablo Villaça, do site Cinema em Cena:"Gore Verbinski é um dos cineastas mais subestimados da atualidade. Responsável por oito longas-metragens ao longo de sua carreira, ele dirigiu apenas um que poderia ser considerado medíocre (A Mexicana), ao passo que todos os seus esforços restantes não só revelam um realizador tecnicamente competente, mas também capaz de navegar com facilidade entre gêneros diferentes, alterando seu estilo de acordo com a necessidade de cada projeto, desde o delicioso O Ratinho Encrenqueiro até a divertida série Piratas do Caribe, passando pelo tenso O Chamado, o tocante estudo de personagem O Sol de Cada Manhã e chegando neste Rango, no qual mergulha no universo da animação de forma ambiciosa ao conceber um western que simultaneamente homenageia e subverte este já tão explorado gênero – e conseguindo, no processo, divertir o público mais jovem ao mesmo tempo em que envolve os adultos através de uma história repleta de subtemas complexos e intrigantes.
Acompanhando o camaleão-título desde o seu terrário até uma pequena cidade atormentada pela falta de água, o roteiro de John Logan marca também a primeira incursão da Industrial Light & Magic de George Lucas na produção de longas de animação computadorizada, apresentando ao mercado uma companhia tecnicamente capaz de rivalizar com a Pixar, a PDI/DreamWorks e a Blue Sky Studios – com a diferença que, aqui, a IL&M usou uma técnica batizada de emotion capture, que se preocupa em capturar não necessariamente os movimentos dos atores, mas suas composições de personagem através da encenação de cada passagem do roteiro (com direito a objetos de cena) durante o processo de gravação de suas vozes.
Com um preciosismo técnico que nada deixa a dever à infalível Pixar, Rango cria uma galeria de personagens fascinantes, transformando os roedores, répteis e anfíbios de sua narrativa em criaturas com rostos marcados e marcantes que conseguem evocar com perfeição os tipos físicos tão característicos do gênero, desde as prostitutas do saloon até os fazendeiros oprimidos, passando pelos pistoleiros ameaçadores, o índio sábio, a mocinha corajosa e o bizarro agente funerário. Aliás, basta olhar para aqueles animaizinhos desdentados e de pele ressecada e suja para perceber o sofrimento constante no qual vivem – o que não impede, claro, que os realizadores também criem criaturas mais engraçadinhas como a filhotinha de olhos grandes e doces cuja inocência se contrapõe às suas armas mantidas a tiracolo ou a raposa que, secretária do prefeito, se mostra vaidosa ao usar a própria cauda como estola.
O que nos traz, claro, ao protagonista: depois de toda uma existência de solidão que o obrigou a desenvolver uma vívida imaginação e uma intensa vida interior ilustradas de forma evocativa em sua primeira cena, Rango é um camaleão que constantemente contorna a própria covardia ao se forçar a manter-se fiel ao papel que decidiu interpretar. Usado com talento pelos animadores em várias seqüências que dependem da comédia física para funcionar, ele é uma combinação improvável de Clint Eastwood e Buster Keaton, remetendo também a Jerry Lewis na cena em que, apavorado, tenta limpar a bagunça que fez no rosto de um bandido (uma gag clássica de Lewis imortalizada, por exemplo, em seu encontro com George Raft em O Terror das Mulheres).
Aliás, embora seja repleto de referências a momentos emblemáticos do Cinema, Rango se diferencia das produções da DreamWorks (Shrek e cia), por exemplo, ao se esforçar para usá-las de forma orgânica e não apenas para fazer piadas fáceis que provem sua cultura pop. Assim, enquanto Shrek para Sempre se desviava da história apenas para fazer uma piada com Amargo Pesadelo, este filme de Verbinski traz as referências para dentro da trama – como ao mostrar rapidamente um animal que caminha como John Wayne, ao usar os vocais da seqüência-título de Arizona Nunca Mais, ao trazer uma ponta de Hunter S. Thompson (lembrem-se de que Johnny Depp fez Medo e Delírio) ou conceber o prefeito como uma versão de John Huston em Chinatown e o pistoleiro Jake Cascavel como um primo de Lee Van Cleef em O Bom, O Mau e o Feio.
Além disso, em vários momentos Rango combina duas ou mais referências em uma só, como na cena aérea no cânion que, trazendo a Valsa das Valquírias em uma versão banjo, ao mesmo tempo brinca com os helicópteros de Apocalypse Now e com o ataque final à Estrela da Morte de Uma Nova Esperança.
Mas é claro que é mesmo o próprio gênero western (e seu irmão italiano, o western spaghetti) que se torna o principal homenageado da produção: a belíssima trilha de Hans Zimmer, por exemplo, faz constantes referências aos temas clássicos de Ennio Morricone, ao passo que seqüências típicas do faroeste dão as caras aqui, como lutas sobre carruagens em movimento, duelos na rua principal de cidadezinhas hostis e brigas em saloons. Além disso, Verbinski se inspira claramente em Sergio Leone ao construir sua narrativa através de closes fechadíssimos nos rostos surrados de seus personagens (muitas vezes trazendo apenas partes de suas faces) e ângulos que ressaltam a natureza grandiosa, mítica, daquelas criaturas – e até o CinemaScope tão bem utilizado por Leone é empregado com competência pelo norte-americano. Para finalizar, um dos maiores ícones do gênero surge de forma surpreendente no terceiro ato, assumindo um personagem cujo “nome” (ou melhor: função) resume perfeitamente sua importância para o western.
Beneficiado pela consultoria do magnífico Roger Deakins (que vem se tornando um especialista em faroestes) na concepção de sua fotografia, Rango é visualmente espetacular, oferecendo paisagens que vão do extremo rubro do céu no fim de tarde à superexposição que ressalta a secura e o calor de um universo dominado pela sede, passando por momentos mais sutis como aquele no qual o personagem-título conta um caso no saloon enquanto a luz que entra pelas frestas das paredes rachadas se converte em um verdadeiro holofote sobre ele. Da mesma forma, o fantástico design de produção constrói com eficiência a miserável cidade que serve de palco para a narrativa e cujo nome, Poeira, faz jus à secura de seu cotidiano – e é particularmente interessante perceber como o lugarejo parece ter sido improvisado através da utilização de objetos como galões de gasolina, embalagens vazias e madeira podre. Como se não bastasse, o design de som do longa jamais deixa de impressionar, seja nas seqüências mais complexas como a perseguição no cânion ou em outras mais intimistas como aquela em que Rango entra pela primeira vez no saloon e é recebido apenas pelo rangido do velho ventilador.
Com uma montagem que se equilibra bem entre a ação desenfreada e o desenvolvimento dos personagens, Rango ainda é repleto de momentos que surgem poéticos de tão evocativos, como o que traz a areia escorrendo como lágrima por uma duna ou aquele em que o herói atravessa uma estrada à noite num impulso autodestrutivo. Da mesma forma, Gore Verbinski prova ter feito o dever de casa ao conceber o duelo final com precisão, cortando para detalhes significativos como o relógio da torre, os rostos amedrontados dos cidadãos de Poeira nas janelas dos prédios e o silêncio opressivo que parece indicar que até o vento parou de soprar em função da tensão.
Divertido também graças a elementos como o coro grego de mariachis fatalistas ou gags visuais como a lápide que indica a curta vida do antigo xerife ("Terça a Quinta-feira"), Rango ainda se encerra com créditos finais vibrantes e envolventes, mantendo-se como uma experiência ímpar até o derradeiro segundo e estabelecendo-se desde já como um dos melhores filmes do ano.
Observação: a dublagem brasileira, ao contrário do que aconteceu com o recente Enrolados, está impecável. Trabalhar com profissionais é outra coisa.
Notas da Crítica:
Pablo Villaça, Cinema em Cena: 5/5
Roger Ebert, Chicago Sun: 5/5
Rodrigo de Oliveira, Paradoxo: 5/5
Mel, Cinema com Mel: 5/5
Oscar, Cinema com Mel: 5/5
Thiago Siqueira, Omelete: 5/5
Ritter Fan, Metido a Critico: 9,5/10
Renné França, Pilula Pop: 90/100
Celso Sabadin, Cinelick: 4/5
Raphaela Ximenes, Almanaque Virtual: 4/5
Fred Burle, Cinepop: 4/5
Jader Santana, Cinema com Rapadura: 8/10
Silvio Pilau, Cineplayers: 8/10
Alysson Oliveira, Cineeb: 8/10
Christian Petermann, Guia da Folha: 3/4 ("assista legendado, em ótimo 2D")
Suzana Amaral, Guia da Folha: 3/4 ("spaghetti western p/ adultos e crianças")
Felipe Tostes, Cineplayers: 7/10
Suzana Uchôa Itiberê, Preview: 7/10 ("Verbinski ainda precisa caprichar na narrativa, mas tem olhos de águia para os detalhes da animação")
Marcelo Hessel, Omelete: 3/5
Pedro Filipe Pina, Vou Sair: 3/5
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 3/5
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