Saturday, April 23, 2011

TOP 5 CRÍTICA 2011


1) Tio Bonmee, que pode recordar suas Vidas Passadas

Vencedor em 2011 do 5o. Asian Film Awards na categoria Melhor Filme

Crítica de Marcelo Hessel, do site Omelete:
"Apichatpong Weerasethakul adora janelas. Mas, como tudo em seus filmes, uma janela nunca é só uma janela.
Em Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas (Lung Boonmee Raluek Chat, 2010), a primeira a aparecer é a janela de um carro. O tio do título viaja com sua irmã, Jen, até a casa na floresta onde deseja passar os seus últimos dias; Boonmee sofre de insuficiência renal. Na estrada, Jen abaixa o vidro do passageiro e, com os sons de fora, invadem o carro, absorvidos pela lente da câmera, os primeiros raios de sol da manhã.
O risco de mitificar Apichatpong - ou Joe, como costuma ser chamado - está sempre presente. Nas suas mãos, o mundano se torna sublime sem esforço, e o desafio de interpretar o seu cinema sensorial pode ser um exercício não só dispersivo como arbitrário. Há alguns elementos recorrentes em seus filmes, porém, que permitem uma leitura exata. Um deles é a paridade. Tudo com Joe tem um duplo (as narrativas dípticas de Mal dos Trópicos e Síndromes e um Século, por exemplo), e as janelas surgem com frequência para fazer a passagem de uma face à outra.
Em Uma Carta para Tio Boonmee (2009), o curta-metragem que preparou terreno para o longa que viria a ganhar a Palma de Ouro em Cannes este ano, as janelas nunca estiveram tão presentes. Elas marcam a divisa entre os interiores das cabanas e a floresta tailandesa, entre a memória individual e a coletiva, entre o agora e o sempre. Já Tio Boonmee, o mais esotérico dentre os longas do cineasta, não demora muito em largar a cabana e se enfiar no mato. A janela aberta do carro seria o primeiro indício da jornada espiritual em que Boonmee e familiares estão ingressando, banhados de luz.
O convite se estende ao espectador. Depois do prêmio no festival francês, a curiosidade aumentou, e fala-se muito, com perplexidade diante da piração, do macaco-fantasma e do peixe comedor que aproximam Tio Boonmee do gênero da fantasia. Mas a viagem, antes de mais nada, é o contato mais imediato que se tem com o mundo. Ela exige apenas que se abram as janelas. Ouvir os barulhos da floresta com o excepcional desenho de som que Akritchalerm Kalayanamitr faz para Joe desde Mal dos Trópicos já é, em si, uma experiência imersiva.
Com Tio Boonmee, Apichatpong Weerasethakul, filho de médicos, realimenta a sua fixação pela medicina moderna versus o poder de cura do tempo (tema do mais cerebral Síndromes e um Século), cria com uma mera bolsa de diálise algumas das sacadas visuais mais pungentes que uma história de luto pode oferecer e fabrica diante dos nossos olhos um antídoto contra a mortalidade. É um filme fadado a cada sessão a renascer de novo."

Notas da Crítica:
Bruno Marques, Almanaque Virtual: 5/5
Leonardo Luiz Ferreira, Almanaque Virtual: 5/5
Neusa Barbosa, Cineweb: 5/5
Geo Euzebio, Cineplayers: 10/10
Cassio Starling Carlos, Guia da Folha: 4/4 ("assombroso")
Inácio Araujo, Guia da Folha: 4/4 ("de imagens inegavelmente fortes")
Leonardo Cruz, Guia da Folha: 4/4 ("fantasmas! Chewbacca!! Monga!!!)
Pedro Butcher, Guia da Folha: 4/4 ("filme dos mistérios e maravilhas")
Gilberto Silva Jr., Contracampo: 4/4
Leonardo Levis, Contracampo: 4/4
Marcelo Hessel, Omelete: 5/5
Kenia Freitas, Cineplayers: 9,5/10
Vlademir Lazo, Cineplayers: 9/10
Roger Ebert, Sun Times: 3,5/4
Daniel Dalpizzolo, Cineplayers: 8/10
Heitor Augusto, Cineclick: 4/5
Carlos Alberto Mattos, Almanaque Virtual: 4/5
Daniel Schenker, Almanaque Virtual: 4/5
Mario Abbade, Almanaque Virtual: 4/5
Suzana Uchôa Itiberê, Preview: 8/10
Christian Petermann, Guia da Folha: 3/4 ("decifra-me ou te entedio")
Marina Person, Guia da Folha: 3/4 ("belo e inclassificável")
Alice Furtado, Contracampo: 3/4
Calac Nogueira, Contracampo: 3/4
João Gabriel Paixão, Contracampo: 3/4
Airton Shinto, Shintocine: 7/10
Amir Labaki, Guia da Folha: 2/4 ("um quê de Macunaíma")
Suzana Amaral, Guia da Folha: 2/4 ("para amar ou detestar. Um risco")
Pablo Villaça, Cinema em Cena: 2/5 ("filme de festival - concebido com a clara intenção de agradar ao circuito de arte, empregando técnicas narrativas típicas de produções vistas como cult")
2) Bróder
Crítica de Pablo Villaça, do site Cinema em Cena:

"Bróder! é um filme construído com urgência e intensidade. Freqüentemente investindo em narrativas múltiplas que acompanham vários personagens durante cerca de 24 horas, o roteiro de Newton Cannito e do diretor Jeferson De se preocupa muito mais em desenvolver a dinâmica entre aquelas pessoas do que em construir uma trama propriamente dita, o que se revela uma decisão acertada, já que são justamente nos momentos que o longa parece se interessar mais pela história do que pelas pessoas que o projeto perde um pouco da força. O que, felizmente, ocorre apenas pontualmente.
Concentrando-se no jovem Marcu (Blat), o filme segue o rapaz enquanto este se prepara para auxiliar bandidos locais no seqüestro de uma criança. Escalado para arranjar alguns brinquedos que possam servir de distração à vítima, ele vai até a casa da mãe e lá é surpreendido ao descobrir que sua família está preparando um almoço para comemorar seu aniversário – e que seus dois velhos amigos Pibe (Guindane) e Jaiminho (Haagensen), que agora moram fora do Capão Redondo, onde se passa a história, voltarão especialmente para a festa. Casado com uma ex-namorada de Marcu, Pibe se mostra inseguro com sua nova condição de pai de família, ao passo que Jaiminho, famoso jogador de futebol, espera ansioso a convocação para a seleção enquanto procura lidar com a gravidez acidental da irmã do amigo.
Tendo o próprio Capão como um personagem importante da narrativa, já que o forte sentimento de comunidade é algo fundamental na existência daquelas pessoas, Bróder! já revela a importância do distrito em suas cenas iniciais, quando Marcu, ao abrir a porta de casa, revela a extensão do lugar à distância. Além disso, em vários momentos da projeção, o cineasta concebe planos que mostram os personagens percorrendo com absoluta familiaridade os becos estreitos e labirínticos da região, apresentando-nos também a figuras tangenciais que servem para tornar o ambiente mais real e diversificado, como a benzedeira que atende Jaiminho ou o bêbado que faz uma provocação casual ao se referir ao alcoolismo do padrasto do protagonista. Por outro lado, Jeferson De não ignora a realidade miserável e violenta que se faz inevitável, ilustrando-a ao enfocar um sujeito baleado que, com exceção da própria família, mal atrai a atenção dos habitantes locais.
Assim, Bróder! aposta num retrato abrangente daquele universo, capturando vários momentos isolados ao longo do dia que trazem recortes das relações entre os personagens: o pastor que mal cumprimenta o filho marginal de uma fiel (uma participação pequena de Zezé Motta); a jovem mãe que leva a criança para visitar o túmulo do pai assassinado; o desconforto entre Jaiminho e sua ex-grávida; a oração da devota dona Sônia (Kiss), mãe de Marcu, e seu esforço para evitar que o marido (Graça) volte a beber; e por aí afora. Com isso, o longa acaba perdendo parte de sua força sempre que desloca a narrativa para fora do Capão – especialmente ao fazê-lo, em certo momento, com o intuito de promover uma crítica social artificial e vazia ao trazer o trio principal sendo abordado em seu carro por policiais depois que uma motorista obviamente racista julga erroneamente que o branco Marcu estava sendo assaltado pelos amigos negros.
Instantes simplistas e frágeis como este desapontam, aliás, porque contrastam imensamente com a riqueza do retrato que De pinta no restante da projeção. Contando com um elenco afiadíssimo preparado pelo sempre competente Sérgio Penna, o filme revela muito através de detalhes de composição, como, por exemplo, ao trazer o irmão caçula de Marcu com um corte de cabelo claramente inspirado no de Jaiminho, denotando o orgulho que todos sentem do sucesso de um companheiro da comunidade. Enquanto isso, Cássia Kiss surge fundamental ao retratar dona Sônia como uma mulher de jeito simples, mas que exibe uma força admirável, esforçando-se sempre para manter a família unida e em harmonia – e a dinâmica que ela estabelece com Aílton Graça é maravilhosa, já que o casal surge absolutamente confortável na presença um do outro, tanto nos momentos em que brigam ou se desentendem quando nos instantes em que se abraçam ou dançam, cúmplices e apaixonados.
Mas o trio de amigos que move a narrativa não fica atrás: apresentado de forma emblemática ao surgir na varanda deprimente e claustrofóbica de um apartamento atormentado pelo trânsito de um viaduto à sua frente, Silvio Guindane compõe Pibe como um sujeito bem intencionado e responsável que, no entanto, se encontra sufocado pelas responsabilidades da vida adulta. Em contrapartida, Jonathan Haagensen, com o carisma habitual, foca na impulsividade de Jaiminho, que, apesar da figura clássica do jogador de futebol que ostenta pateticamente a riqueza recém-adquirida, parece tentar provar para si mesmo que, mesmo famoso e bem-sucedido, não perdeu as raízes humildes – um esforço constantemente sabotado por sua libido incontrolável. Fechando o elenco, Caio Blat oferece provavelmente uma das melhores performances de sua carreira como Marcu, num feito considerável se pensarmos na força de seu Frei Tito em Batismo de Sangue: surgindo com uma postura empinada e um caminhar cheio de gingado e arrogância, o protagonista exibe o rosto sempre cerrado e com expressão raivosa, como se visse o mundo como uma ameaça constante – e assim, quando abre um sorriso diante das pessoas que ama, o sujeito permite que enxerguemos sua natureza doce e sufocada pela vida opressiva que leva, numa demonstração de grande inteligência por parte deste ainda tão jovem ator.
E é por trazer criações tão complexas que Bróder! desaponta, por exemplo, ao pintar uma caricatura do empresário de Jaiminho, que surge jogando golfe e bebendo champanhe enquanto conversa com a esposa impossivelmente loira – num retrato tão unidimensional do “homem branco opressor” que, confesso, cheguei a cogitar se tratar de uma sátira, descartando a idéia por perceber que ela rivalizaria com o tom realista da narrativa. Da mesma maneira, a catarse entre os personagens de Blat e Aílton Graça, no terceiro ato, soa abrupta e pouco convincente, já que o filme não havia plantado o terreno para que ela ocorresse. Finalmente, o plano em que Haagensen parece flutuar morro abaixo por estar atormentado pela discussão que tivera com a ex representa uma escolha infeliz de Jeferson De, já que, embora suas intenções tenham ficado claras, a idéia é executada de maneira trôpega, chamando excessivamente a atenção sobre si mesma.
A boa notícia é que estes tropeços pontuais do cineasta se destacam não por serem comuns, mas por destoarem da eficácia do restante do longa, que realmente leva o espectador a conhecer e a se importar profundamente com aquelas pessoas, compreendendo o sentimento comunal que permeia suas relações e torcendo, assim, para que Marcu possa finalmente se desprender de sua amargura, desanuviar o rosto e sorrir enquanto aproveita a feijoada ao lado de sua adorável família."
Notas da Crítica:
Thiago Florencio, Almanaque Virtual: 5/5
Neusa Barbosa, Cineweb: 4/5
Heitor Augusto, Cineclick: 4/5
Marcelo Hessel, Omelete: 4/5
Pablo Villaça, Cinema em Cena: 4/5

3) Poesia
Crítica de Vlademir Lazo, do site Cineplayers>:
"Poesia e velhice.
Fazer um filme poético é uma coisa (não é o caso, talvez nem a intenção do diretor Chang-dong Lee); mas um filme sobre poesia é bem mais complicado. Talvez não seja justo reduzir o longa coreano a essa condição (até por não ser unicamente sobre poesia), porém definir e verbalizar conceitos sobre essa arte tão sutil (e que por natureza dispensa conotações redutoras e didáticas como as que são ditas pela boca de alguns personagens) faz com que o filme seja sobre o assunto, enquanto paradoxalmente mais se afasta de seu significado à medida que discorre sobre ele. Poesia (Shi, 2010) nos coloca na mesma perspectiva de sua personagem central, que a partir de dado momento busca enxergar poesia nos mínimos objetos e nas pequenas coisas. O professor em sala de aula falando sobre a necessidade de libertação da poesia aprisionada dentro de cada um dos seus alunos, no curso em que a protagonista Mija (Jeong-hie Yun), já com mais de 60 anos, se matricula em ultima hora, remete inescapavelmente à idéia de uma versão oriental (e menos piegas) de Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, 1989), ou ao menos sugere uma discreta aproximação com o sucesso americano da década de oitenta.
As aulas de poesia no centro cultural, entretanto, são apenas intervalos na narrativa de horror que beira a existência de Mija. Vítima de Alzheimer, a senhora de idade tem como única companhia o neto do qual é a responsável pelo sustento, que teria abusado sexualmente, junto com outros colegas de escola, de uma menina que se suicidaria pouco depois. A tragédia, como se percebe, não é pequena, mas é como se Chang-dong Lee tivesse consciência de uma lição importante pra todo cineasta, a de que cabe ao artista bom senso para optar entre boas e as más escolhas que residem próximas uma da outra, para logo em seguida burilar o seu material: o coreano não escolhe por mostrar as desgraças que por si só poderiam cinematograficamente resultar em um extremismo estéril e em nada ajudar ao desenvolvimento da narrativa. Chang-dong trilha outro caminho, e a jornada de Mija é suficiente para exprimir o horror que circunda o drama (especialmente no rosto bastante expressivo da atriz que interpreta a personagem). É como se a experiência do estupro sofrido pela menina morta se estendesse e não terminasse mais no corpo ainda vivo da mulher idosa.
Outro filme que nos vem em mente ao assistir Poesia é o recente e também sul-coreano Mother - A Busca pela Verdade (Madeo, 2009), que também era sobre o périplo de uma senhora de idade obrigada a correr atrás da resolução dos conflitos em torno da família (no caso, um filho com deficiências mentais). Um cruzamento improvável entre um filme como Mother e Sociedade dos Poetas Mortos traduz muito bem o que Poesia tem de desequilíbrio, embora seja digno de interesse o percurso que Chang-dong trilha nessa corda bamba. Mija precisa juntar dinheiro para pagar o acordo que teria sido combinado entre a mãe da vítima e os pais dos outros garotos, mas o que ela ganha trabalhando como faxineira não a ajuda em nada. Cuidar de um velho debilitado (Hira Kim) que sofre com as seqüelas de um derrame é outra de suas opções de trabalho, mas é o curso de poesia que vai colocar em xeque as noções de mundo da personagem feminina. Mija se questiona sobre as suas próprias percepções, e ao criar interesse pela poesia, decide encarar o desafio da experiência: ao invés de desvendar um crime, se emprega na aventura de escrever um poema.
Poesia é um filme mais acessível que muitos outros exemplares do cinema oriental contemporâneo. Suas intenções são apresentadas às claras, sua estética tampouco é desafiadora. Um filme desprovido de mistério ─ e aí me refiro não a um enigma oculto em sua trama, mas a segredos indevassáveis que nos assombram horas ─ ou semanas ─ a fio, quando nos deparamos com muitas das obras mais instigantes que nos chegam do cinema que vem da Ásia. Ganhador do prêmio de roteiro em Cannes com Poesia, Chang-dong já era um roteirista importante nos anos noventa (muito antes de sua estréia na direção), e provavelmente seja aí que resida o seu maior talento. Com um roteiro de boas idéias e capaz de sustentar um ponto de partida pouco promissor como o de Poesia, como diretor nem sempre é bem-sucedido em sua execução, pintando belas imagens mais para que elas saltem à vista ao invés de prezar pela justeza de seus planos. Poesia é um filme bonito ─ mas sobretudo, um filme que se quer muito bonito, ainda que sem abrir mão da simplicidade que carrega em sua essência.
Embora conte com um número razoável de trabalhos em seu currículo de realizador, é como se o cineasta ainda estivesse lapidando o que lhe interessa pra encontrar o diamante bruto, ficando, entretanto, no meio do caminho. Os atores ajudam muito, como se pode notar em cenas como a do sexo na banheira, sem nenhum erotismo e implícita, das mais delicadas do cinema recente. Poesia também se apresenta (ainda que timidamente) como um filme sobre a velhice, mas centrada num personagem feminino (o que pensando bem não é muito frequente em produções com esse tema). Talvez ele se torne mais justificável sob essa ótica do que a de um filme sobre (ou acerca de) poesia. Não é filme para se desprezar, mas menos ainda para se amar."
Notas da Crítica:
Cassio Starling Carlos, Guia da Folha: 4/4 ("beleza pura")
Christian Petermann, Guia da Folha: 4/4 (delicadeza memorável")
Inácio Araujo, Guia da Folha: 4/4 ("acha-se, não se procura")
Leonardo Cruz, Guia da Folha: 4/4 ("Lee é um dos melhores cineastas da Ásia")
Suzana Amaral, Guia da Folha: 4/4 ("belo filme, agrada aos poucos")
Roger Ebert, Sun Times: 8,75/10
Alysson Oliveira, Cineweb: 4/5
Celso Sabadin, Cineclick: 4/5
Filipe Codeço, Almanaque Virtual: 4/5
Marcelo Hessel, Omelete: 4/5
Marina Person, Guia da Folha: 3/4 ("versos delicados")
Vlademir Lazo, Cineplayers: 7/10 ("Não é filme para se desprezar, mas menos ainda para se amar.")
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 3/5
Amir Labaki, Guia da Folha: 2/4 ("roteiro maior que o filme")
4) Trabalho Interno
Crítica de Filippo Pitanga, do site Almanaque Virtual:
"Documentário vencedor do Oscar, produzido, roteirizado e dirigido por Charles Ferguson, Trabalho Interno (Inside Job, 2010) pode ser analisado de duas formas: pelo conteúdo e pela forma. E, em ambos os casos, é um triunfo retumbante.
De uma relevância que não poderia ser mais apropriada agora com uma nova presidente no Brasil, o tema versa sobre a crise financeira americana que, desde a queda da bolsa em 2008, atingiu um efeito dominó no mundo inteiro, levando ao desemprego recorde e empresas famosas à falência. Com imagens de arquivo e entrevistas muitas vezes desconcertantes, vai se traçando as causas da criação da temível "bolha"; a quem responsabilizar; além das conseqüências e o que está sendo feito disso. (o que é ainda mais alarmante quando se percebe o quanto essa fragilidade resultou de especulações de raiz imobiliária, em certa similaridade a surreal inflação imobiliária no Brasil. - Pois, para quem ainda não a percebeu, recomenda-se que se faça uma comparação dos Classificados de uns dois anos com os atuais).
Porém, como se trata de um assunto até bastante técnico, a narrativa poderia ser difícil para o grande público. E é aí que o diretor, já experiente por seu também espinhoso documentário anterior sobre a Guerra no Iraque, "Sem Fim à Vista" (outro indicado ao Oscar), consegue manobrar pelos obstáculos mais engessados. Adota uma linguagem mais pop, desde a inserir o ator Matt Damon como narrador, até uma montagem mais dinâmica, trilha sonora descolada e cortes que retornam de opulentas paisagens para os entrevistados em saia justa com a câmera grudada em suas faces, para não perder nenhuma nuance reveladora (muita gente com culpa no cartório tentou desconversar ou até se recusou a participar, revelando muito mais por omissão do que precisaria aparecer só para mentir). Até os interrogatórios no Congresso, onde os donos de megacorporações são postos contra a parede (pelo menos retoricamente, numa vingança fugaz, pois no fim nenhum deles foi preso!), levam o espectador a se sentir num emocionante "Thriller Financeiro", onde as grandes ameaças são a exposição pública do microfone, da câmera e de e-mails!
Alguns poderiam compará-lo com Michael Moore ("Tiros em Columbine" e "Fahrenheit 9/11"), mas seria injusto. Muito mais refinado, ele não precisou das artimanhas sensacionalistas de Moore, nem de manipulações como músicas lacrimejantes e pastiches exagerados, que até enfraqueciam o argumento muitas vezes contundente do mesmo. Pelo contrário, baseia-se em fatos, estatísticas, revelações dos próprios envolvidos e, mesmo quando se chega ao inevitável testemunho dos afetados pela crise, as entrevistas são feitas de forma objetiva e exemplificativa.
Apesar de tantos pontos altos, ainda assim alguns espectadores, menos acostumados a serem desafiados no cinema, podem se perder nas vastas informações, principalmente frente às inúmeras siglas para denominações enormes e tantos nomes a serem elencados. Por fim, ainda fica um gosto amargo de que toda essa crise ainda pode se repetir, pois, pior do que o Gordon Gekko de Michael Douglas em "Wall Street", os antagonistas amorais daqui parecem mesmo com vilões que acabam voltando sempre, impunes - a colecionarem cargos políticos desde antes da crise até agora, já na administração do presidente Barack Obama!"
Notas da Crítica:
Filippo Pitanga, Almanaque Virtual: 5/5
Neusa Barbosa, Cineweb: 5/5
Roger Ebert, Sun Times: 10/10
Ritter Fan, Metido a Crítico: 9/10
Rodrigo de Oliveira, Paradoxo: 89% de 100%
Emilio Franco Jr., Cineplayers: 6/10
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 2/5 5) Rango
Crítica de Rodrigo de Oliveira, do site Paradoxo:
"Gore Verbinski não pode ser apontado como um diretor acomodado. Passeando pelos mais variados gêneros desde que estreou em Hollywood com o infantil Um Ratinho Encrenqueiro, em 1997, o cineasta já comandou um romance aventuresco (A Mexicana), um terror (O Chamado), um drama existencialista (O Sol de Cada Manhã) e um épico pirata (a trilogia Piratas do Caribe). Agora, com a animação Rango, Verbinski mergulha no gênero western, divertindo adultos e crianças com um longa-metragem cheio de ótimos personagens e diversas homenagens ao faroeste.
John Logan (de Sweeney Todd) assina o roteiro, baseado em história criada por ele, junto de Verbinski e de James Ward Byrkit (de Fractalus). Na trama, conhecemos um camaleão metido a artista (voz de Johnny Depp) que, ao se ver perdido em um deserto, agarra a chance de ser uma nova pessoa. Ao chegar ao vilarejo Dirt, o camaleão assume Rango como seu nome e começa a espalhar a todos as suas aventuras inexistentes. Espantados pela coragem do forasteiro, que conta com um bocado de sorte em um confronto com uma perigosa águia, a comunidade de Dirt logo vê Rango como seu xerife. A cidade, no entanto, tem problemas maiores que a violência. A água está escasseando e o novo homem da lei terá de resolver, dentre outras questões, o sumiço da reserva da cidade.
Rango é uma animação irretocável. Utilizando uma forma diferente de captura de movimento, renomeada por Johnny Depp como “captura de emoção”, os atores representaram toda a ação do filme como uma grande peça de teatro. Em cima destas informações, a equipe do longa-metragem animou os personagens. Algo semelhante fez Wes Anderson no ótimo O Fantástico Sr. Raposo, conseguindo resultado parecido no quesito atuação. Em Rango, todo o elenco dá performances irresistíveis.
Começando com Johnny Depp, totalmente à vontade como um camaleão artista, completamente incerto de sua identidade. Querendo ser um herói, mesmo não tendo necessariamente aptidão para o papel, Rango cai de paraquedas no vilarejo Dirt e passa a personificar alguém corajoso e destemido. Em um primeiro momento, poderíamos pensar que Rango é um ser medroso que inventa estas características para proveito próprio. Mas não seria uma verdade. Como o próprio personagem desconhece totalmente o seu verdadeiro potencial, tendo vivido toda sua existência preso em um aquário, o que poderia ser invenção acaba mostrando-se uma realidade. A coragem, no entanto, não anula o fato de Rango ser um camaleão atrapalhado e com uma lógica só dele.
Dito isso, é possível perceber o quanto Depp e o diretor Gore Verbinski conversaram sobre o protagonista do filme, aprofundando a personalidade de Rango. Por isso, não soa nada artificial que, lá pelas tantas, o camaleão (um ser que pode mudar de cores, conhecido por sua, digamos, versatilidade) sente um vazio existencial e tenta descobrir quem ele realmente é. A busca da metáfora do “Espírito do Oeste”, representada de forma genial na personificação de Clint Eastwood (em um trabalho vocal meticuloso de Timothy Olyphant), dá algumas coordenadas para que Rango se encontre. Nada mais correto do que o grande heróis dos westerns passar de forma simbólica o bastão para o camaleão.
Não é só a trilogia do Homem sem Nome, de Sérgio Leoni, que é citada por Gore Verbinski em sua animação. Chinatown e Medo e Delírio são produções que servem como inspiração direta para Rango. Se formos olhar para o lado literário, Dom Quixote é transmutado em tatu (com voz de Alfred Molina), servindo como uma espécie de guru para o camaleão. Completando o elenco de vozes, Isla Fisher, Bill Nighy, Abigail Breslin, Ray Winstone e Ned Beatty dão importantes contribuições ao maiúsculo trabalho vocal da dublagem original. Importante ressaltar que a dublagem nacional também está excelente.
Hans Zimmer entrega mais uma trilha sonora memorável, retrabalhando os conceitos dos clássicos westerns e brincando com a figura dos mariachis – aqui, um quarteto de corujas que, quando não estão com o violão em asas, atacam até com guitarras. Em uma cena que mira Apocalypse Now, toupeiras sacam um banjo e recriam a clássica Ride of the Valkyries, de Wagner. Brilhante.
Com uma mistura ótima de comédia e aventura, Rango é uma produção imperdível, que diverte crianças e adultos. O roteiro bem sacado e as diversas referências ao gênero western deverão agradar mais ao público mais experiente, deixando para a gurizada as boas piadas e os personagens esquisitos. Ou seja, um programa para toda a família."
Notas da Crítica:
Pablo Villaça, Cinema em Cena: 5/5
Roger Ebert, Chicago Sun: 5/5
Rodrigo de Oliveira, Paradoxo: 5/5
Mel, Cinema com Mel: 5/5
Oscar, Cinema com Mel: 5/5
Thiago Siqueira, Omelete: 5/5
Ritter Fan, Metido a Critico: 9,5/10
Renné França, Pilula Pop: 90/100
Celso Sabadin, Cineclick: 4/5
Leandro Melo, Pipoca Combo: 8/10
Raphaela Ximenes, Almanaque Virtual: 4/5
Fred Burle, Cinepop: 4/5
Jader Santana, Cinema com Rapadura: 8/10
Silvio Pilau, Cineplayers: 8/10
Alysson Oliveira, Cineeb: 8/10
Christian Petermann, Guia da Folha: 3/4 ("assista legendado, em ótimo 2D")
Suzana Amaral, Guia da Folha: 3/4 ("spaghetti western p/ adultos e crianças")
Felipe Tostes, Cineplayers: 7/10
Suzana Uchôa Itiberê, Preview: 7/10 ("Verbinski ainda precisa caprichar na narrativa, mas tem olhos de águia para os detalhes da animação")
Marcelo Hessel, Omelete: 3/5
Pedro Filipe Pina, Vou Sair: 3/5
Miguel Barbieri Jr., Veja SP: 3/5
Carlos Eduardo Corrales, Delfos: 0,5/5

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