Tuesday, February 19, 2008

OPINIÃO DO CRÍTICO: JUNO


RODRIGO CARREIRO, do site Cine Reporter:

"Todo cinéfilo sabe que os grandes estúdios de Hollywood têm dificuldades históricas para fazer bons filmes adolescentes. Não é preciso ser grande conhecedor de cinema para entender o motivo. A maior parte dos artistas que trabalham na indústria do entretenimento, incluindo diretores e roteiristas, está muito acima da casa dos 30 anos. Pertencem, portanto, a gerações diferentes daquela que devem retratar. Para fazê-lo, por mais que tenham boa vontade, acabam recorrendo a estereótipos. O resultado é uma enxurrada de filmes bobos e cheios de clichês. “Juno” (EUA/Canadá, 2007) é uma rara e feliz exceção. O filme constrói um painel rico e excentricamente moderno de um tema difícil – a gravidez adolescente – e traça retrato acurado de uma geração que, até bem pouco tempo, ainda não havia sido bem representada em filmes de massa.

Mérito, em grande parte, do diretor Jason Reitman (“Obrigado por Fumar”), e não apenas porque ele tinha 29 anos quando iniciou as filmagens – jovem o suficiente para entender as pessoas que iria retratar. O mérito de Reitman foi reconhecer talento no trabalho de uma roteirista amadora. Ou melhor, uma ex-stripper, blogueira e festeira de carteirinha que um dia se meteu a escrever um roteiro. Foi uma ousadia dele. Diablo Cody tinha só 25 anos quando escreveu a saga em tom menor de uma garota de 16 anos que engravida acidentalmente, após a primeira relação sexual, e decide levar em frente a gestação (“bebês de dois meses têm unhas!”). Cody faz o tipo “21th Century Girl”, simultaneamente fofinha e durona – tatuagens de Betty Boop, franjas excêntricas, minissaias coloridas e botas de cano alto, pele mantida orgulhosamente alva por uma vida noturna agitada, e fã de Wes Anderson. Ela se mudou para a Califórnia para morar com o namorado que conheceu em bate-papos na Internet, e conheceu Jason Reitman por lá.

O que tudo isso quer dizer? Que Diablo Cody não é uma profissional de Hollywood. Para um profissional do ramo, escrever sobre adolescentes ou sobre uma tribo de canibais africanos seria a mesma coisa. Mas quando Cody sentou para escrever o roteiro de um filme jovem, não estava trabalhando em material puramente ficcional, por obrigação. Estava transportando material que havia vivido e observado para criar ficção sobre uma base real. “Juno” é o primeiro roteiro assinado por ela. Não é surpresa que o texto alimente um desprezo relativo – e saudável – pelas regras clássicas de uma narrativa cinematográfica. O objetivo de Cody não era criar um “filme para adolescentes”, mas uma história em que sua própria geração se reconhecesse. Já que não havia ninguém fazendo isso em Hollywood, ora, ela mesma poderia fazer, certo?

Vem daí a multifacetada e meticulosa composição de personagens. A protagonista, menina de personalidade forte e senso de humor peculiar, esperto e meio mórbido, faz o gênero “futura riot girl”: paredes do quarto forrada de fotos de homens mais velhos, fã de punk rock, acha que 1977 foi o melhor ano da história do rock’n’roll. Parte de Juno continua criança, como provam as bonecas nas prateleiras do quarto e o telefone em forma de hambúrguer, mas ela entende que é hora de crescer. Por isso, toma a decisão de perder a virgindade. Quem melhor para fazer isso do que o melhor amigo, um garoto tímido, magricela e fã de Tic Tac de laranja? Num teen movie comum, Bleeker (Michael Cera) seria saco de pancadas dos valentões da escola, mas não neste filme. A abordagem do diretor Jason Reitman é carinhosa e delicada. “Juno” foi feito por freaks para freaks.

Filmado por apenas US$ 7,5 milhões, o longa se encaixa perfeitamente no estilo de filmes fofinhos, que provoca chiliques no público alternativo do Festival de Sundance. Seria, por equivalência, o correspondente a “Pequena Miss Sunshine” na safra 2007. A diferença entre os dois títulos, porém, é abissal. Ao contrário do outro, “Juno” tem personalidade própria. Não recorre a fórmulas narrativas e não tenta dar lição de moral – aliás, quem diria que um filme distribuído pela conservadora Fox trataria uma gravidez adolescente de forma tão surpreendente, e ainda por cima exibindo um final tão esquisito e incomum? Além disso, o filme capta com perfeição o senso de hedonismo da juventude contemporânea, aquela idéia não-verbal de que o universo deve girar torno de você, e que não vale a pena desviar a atenção dos prazeres da vida com nada. Você entende o espírito.

Com todas as virtudes computadas, também não é um filme perfeito. Longe disso. Um dos maiores problemas está na direção de arte excessiva, poluída e com influência acentuada dos filmes do diretor Wes Anderson (a lista dos dez DVDs preferidos da roteirista Diablo Cody inclui “Os Excêntricos Tenenbaums”). Basta reparar na vestimenta que Bleeker utiliza para fazer educação física na escola – qual o colégio que usaria um fardamento exótico e colorido como aquele? Além disso, se o filme acerta na composição dos personagens adolescentes, por outro lado erra feio no que diz respeito aos adultos – exceção feita ao personagem Mark (Jason Bateman), que é na verdade um adolescente preso no corpo de um cara de 30 anos. Um exemplo? Quando ficam sabendo sobre a gravidez, os pais de Juno tomam uma atitude não apenas irresponsável, mas surreal, especialmente para uma família cuja madastra chora durante uma ultrassonografia.

A trilha sonora folk, com quantidade generosa de música acústica, ajuda a aproximar “Juno” de obras como “Ensina-me a Viver” (1971), de Hal Ashby, cuja atmosfera agridoce é idêntica. De fato, o número de canções soa excessivo, mas a música funciona, pois tem uma qualidade de rascunho melódico que casa bem com a idéia de um filme sobre uma personalidade em construção. Como se tudo isso não bastasse, o elenco está ótimo. A jovem Ellen Page tem a fragilidade e o tom decidido da personagem-título, demonstrando mais uma vez (“MeninaMá.com”) que está no caminho certo para se tornar uma das grandes atrizes de sua geração. Jason Bateman mostra química impecável com a protagonista, e Jennifer Garner não compromete. Michael Cera meio que repete o mesmo personagem de “Superbad” (2007), mas a participação é pequena e por isso o que poderia ser um problema se torna um dado positivo, já que após o grande sucesso do filme de Greg Mottola, fica fácil para o público vê-lo na pele do jovem confuso e apaixonado que não sabe como verbalizar os sentimentos.

O sucesso de “Juno” nas bilheterias norte-americanas – arrecadação superior a US$ 80 milhões, mesmo após um lançamento discreto que ocupava apenas salas periféricas e alternativas – assinala um momento especial para o gênero teen, dentro dos grandes estúdios. Afinal de contas, a safra de 2007 trouxe títulos anormais, como o ótimo e já citado “Superbad”, que lançam um olhar de igual para igual aos adolescentes. “Juno” se encaixa perfeitamente dentro desta nova tendência, e o sucesso alcançado na temporada de prêmios, até mesmo com indicação ao Oscar de melhor filme, faz do filme de Jason Reitman uma espécie de ponta-de-lança deste movimento. No fim das contas, os defeitos de “Juno” importam menos do que a vontade palpável de observar a adolescência como ela é, e não como os adultos imaginam que ela seja."

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