Monday, April 27, 2015

A falsa crise dos vingadores

Por Cesar Castanha, do site Cineplayers: 7/10

A razão de ser da Marvel Studios encantou muitos fãs dos seus quadrinhos lá em 2008, inclusive eu: criar, pela primeira vez, uma interdependência entre os super-heróis no cinema, fazendo-os funcionar, idealmente, a partir da mesma lógica do material de onde surgiram. Onze filmes depois, muito do fascínio já se perdeu, as cenas pós-créditos inspiram cada vez menos furor e entusiasmo, Os Vingadores, a grande ambição da década de HQs na telona, já está no seu segundo filme. É difícil encontrar uma abordagem nova, explorar aquele aspecto de novidade que fez explodir os Batmans de Christopher Nolan e o próprio Homem de Ferro. No fim, parece que a Marvel sucumbe à crítica que a acusa de fazer sempre o mesmo filme.
Devo dizer que esse comentário, cada vez mais presente, incomoda-me bastante. Sim, a Marvel tem repetido a mesma fórmula e feito bastante dinheiro com variadas versões dela. Mas como isso seria diferente de Hollywood desde que Hollywood existe? É importante reconhecer que a lógica quase fordista como se produzem filmes na cidade dos sonhos não é exclusividade do gênero de super-herói ou comédias-românticas ou filmes de ação, que a mesmíssima questão passou pelo film-noir e os primeiros talkies.
Ainda assim, acho que os filmes do estúdio sofrem de um problema constante, que se acentua quanto mais eu mergulho nos quadrinhos do mesmo universo (e vamos culpar a Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel, da Salvat, por isso). Eles estão simplesmente atrasados, e não falo em questão básica de narrativa, mas de como abordam o dilema de ser um super-herói ou mais especificamente ser um vingador. Vingadores: A Era de Ultron tenta se aproximar das ambiguidades morais da iniciativa, mas falha miseravelmente, e pra mim ficou muito claro o porquê.
Desde, pelo menos, 2004, é muito difícil você encontrar um arco dos Vingadores nos quadrinhos que deixe bem desenhadas as fronteiras entre o certo e o errado. Nessa década, continuadas transformações da equipe denunciam que ela existe mais para a própria sobrevivência que pela sobrevivência do mundo. É perceptível até uma nostalgia pelos tempos em que Os Vingadores eram heróis inquestionáveis. A crise moral e até física (eles envelheceram, alguns até morreram ou simplesmente foram substituídos) do super-herói é tudo o que os quadrinhos contemporâneos conhecem. Para os filmes da Marvel, é difícil se engajar nisso agora, eles estão em um momento de consolidação da confiança no herói, mas mesmo a simplicidade contida nisso já não é tão facilmente aceita. O barulho feito por Nolan e o seu Cavaleiro das Trevas, do mesmo ano do primeiro Homem de Ferro, impôs ao gênero um ideal de realismo e seriedade. Esse ideal, que também questionaria a imagem do herói à moda Watchmen, não se sustenta por muito tempo nem com próprio Batman. Ainda assim, todas as continuações de super-herói feitas desde então são levadas a flertar com a crise em um ponto ou outro. Gwen Stacy não pode sobreviver ao segundo O Espetacular Homem-Aranha, a Shield deve ser desmascarada em Capitão América 2: O Solvado Invernal e Tony Stark teve que criar Ultron.
Enquanto a crise se desenrola, até o segundo ato de Vingadores: A Era de Ultron, tudo funciona muito bem. Tony Stark, por medo, cria o robô que destruirá os vingadores. “Os homens criam aquilo que temem, homens de paz criam máquinas de guerra”, explica o vilão, a inteligência virtual Ultron, de voz e pose imponentes, muito fã de Pinóquio, da Disney. O argumento que justifica Ultron é ótimo. Gosto muito de como o filme permite que se torça por ele na primeira hora, não por um fetiche em se torcer pelo vilão, mas por vislumbrar a possibilidade de ele estar mesmo certo, assim como de Tony Stark estar tragicamente errado, mas isso não dura. Muito logo, bem e mal estão perfeitamente divididos. E, como a máquina genocida foi criação de Stark e não pode machucar a humanidade de fato, pois deixaria seu criador em maus bocados, nenhum civil será ferido.
É uma solução muito limpa para um filme que brinca com o jogo de discursos ideológicos. A covardia foi abraçada pela necessidade de manter o ciclo do filme. Se vamos ter uma pancadaria no desfecho, precisamos deixar o público muito confortável em saber por qual lado ele deve torcer. A Marvel precisa se livrar disso logo. Os Vingadores: A Era de Ultron ainda consegue boas coisas até nos seus momentos finais. Visão me causou uma impressão e tanto pela naturalidade com que é esteticamente concebido (Thor ainda me parece um cosplay bem produzido na Comic-Con), e a ideia de fim que o filme carrega parece surtir alguns efeitos definitivos e uma renovação na equipe que pode ter bons resultados.
Para isso, a Marvel precisa olhar com mais atenção para a riqueza do material que tem em mãos. Não adianta mimetizar a linguagem dos quadrinhos com tiradas de humor e um colorido de personagens se não há disposição para encarar suas sutilidades, começando por diversificar os protagonistas (não lembro de uma vingadora ser tratada com o mesmo texto porco que recebe a Viúva Negra neste filme; e lembro de muitas vingadoras, uma quantidade de personagens que já deveria ter deixado a Marvel Studios constrangida por ainda ignorar quase todas). Se Vingadores: A Era de Ultron está entre os bons filmes da Marvel Studios, e acho que esteja, também deixa muito claras as suas lacunas. Ótimo.

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