Crítica de Érico Borgo, do site Omelete: 3/5
Consciência é a palavra que guia os personagens de Vingadores: Era de Ultron. Ser capaz de perceber a relação entre si e o ambiente é um dos fatores que estabelecem essa condição, a de ser consciente, algo com o que Tony Stark (Robert Downey Jr.) vive em eterno conflito.
Outrora um fabricante de armas, o Homem de Ferro continua sendo obrigado a encarar o resultado de seus atos passados. Tornar-se um super-herói foi parte do processo de lidar com essa consciência. Agora, virar um defensor global é ensejo ainda mais poderoso nesse sentido, já que sua busca por redenção passa pela criação de uma legião de robôs, comandados por Jarvis (voz de Paul Bettany), que patrulham o mundo e pretendem torná-lo algo "melhor".
O tormento velado de consciência motiva o desejo por uma inteligência artificial de verdade, a criação de um ser imune ao erro. Afinal, Jarvis é limitado, um sistema operacional inteligente, mas incapaz de tomar decisões que fujam de sua programação. Faz todo sentido dentro dessa premissa, então, que outro personagem assombrado pelos seus atos, Bruce Banner (Mark Ruffalo), partilhe desse ideal e ajude Stark a concretizá-lo, quando ambos recuperam o poderoso cetro de Loki, fonte inesgotável de energia e de controle psíquico.
É essa dança de mentes perturbadas que desperta o transtornado Ultron (James Spader). O androide antagonista do filme não poderia ter melhor intérprete. Spader, que atuou presencialmente e foi substituído por computação gráfica de captura de movimentos (estudados ao lado do mestre na técnica Andy Serkis, que aqui vive o vilão Ulysses Klaw), dá um show. Ameaça, ironiza, desafina, seduz, faz piada e mata por pura e fria lógica, do tipo que dita que para resolver um problema você deve eliminar sua fonte: os Vingadores e a humanidade. Cartilha tradicional da boa ficção científica de robôs superinteligentes, mas não efetivamente conscientes.
Essa jornada histriônica do ser artificial, que passa pela busca do corpo perfeito, é retrato deturpado da própria jornada de seu criador, ele também um fazedor de corpos perfeitos, sedutor, ególatra e dono de um humor todo particular. Nessa dualidade da criação e criatura reside o melhor de Vingadores: Era de Ultron.
O tema é mais complexo que as questões de poder e a relação familiar imediatamente relacionáveis do primeiro Os Vingadores. Talvez por isso tanto tenha se falado sobre o tom "mais sombrio" do filme. Mas essa carga potencialmente dramática é quebrada incessantemente com ação e humor, o que tira daí qualquer impressão mais duradoura de foco mais adulto ou realista, de perigo real, que o filme poderia passar. Felizmente, é uma produção do Marvel Studios, afinal.
Estofando a conversa filosófica estão, em nível pirotécnico imediatamente acessível, as bastante longas sequências de combates, que dão tom superlativo ao filme. Nessa superfície, Vingadores: Era de Ultron exagera em alguns momentos, como ao usar cenas superposadas emulando capa de gibi, com resultado um tanto constrangedor. Montanhas são derrubadas, prédios são obliterados, robôs - muitos robôs - são desmembrados, gerando um verdadeiro descontrole cinético (ainda que não ultrapasse registros recordistas na escala Michael Bay de devastação).
Com sequências que começam grandiloquentes e ficam maiores e maiores, é curioso que um dos bons respiros seja justamente uma cena de ação clássica, a parada de um trem desgovernado. Superman e Homem-Aranha já salvaram os seus - e chegou a hora dos Vingadores. Falta ao filme essa qualidade de heroísmo clássico e algumas variações sem tantos excessos, certos momentos que preparem a próxima grande cena, usando melhor heróis e habilidades específicas, algo que o primeiro Vingadores soube fazer melhor.
O respiro, quando acontece, vem em momentos de diálogos intimistas, quando todos os Vingadores estão equilibrados em seus trajes civis. Ao menos nessas cenas de tranquilidade, a aventura aproveita para explorar personagens que não têm seus próprios filmes para serem aprofundados. É o caso do Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), que tem participação mais longa - ainda que um tanto deslocada do tema central - e da interessante relação entre a Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Banner/Hulk.
Do lado oposto, os gêmeos Wanda e Pietro Maximoff (Elizabeth Olsen e Aaron Taylor-Johnson) operam por conta própria, guiados por um desejo de vingança. Enquanto ele não tem o que fazer e os fãs do personagem (que, encaremos, nunca foi grande coisa nem nas HQs) amargam uma atuação apática do Kick-Ass, ela vai ao encontro do tema central com intensidade. A heroína tinha mesmo que estar presente, especialmente pelo seus poderes de manipulação da realidade - e da percepção. De novo, a mente é o foco, e a representação que o filme faz dessas habilidades é ao mesmo tempo estranha e plasticamente bonita.
Com sua própria consciência, egressa de tempos mais simples, Steve Rogers (Chris Evans) é mostrado em vislumbres de choque com Tony Stark. O Sentinela da Liberdade é o oposto perfeito para a ideia, que flerta com o totalitarismo, de uma força de paz corporativa, atuando em solo estrangeiro, do Homem de Ferro. Esse é um ponto igualmente interessante no filme - e no discurso de Ultron -, com os Vingadores literalmente invadindo nações soberanas, "protegendo o mundo, mas não querendo que ele mude". O palco está montado para o filme vindouro da Guerra Civil, com a cisão dos heróis.
Não seria um filme da Casa das Ideias, afinal, se não fossem preparados os próximos capítulos da saga desse universo compartilhado Marvel no cinema. Mas nesse sentido, Vingadores: Era de Ultron é surpreendentemente econômico. Falava-se em heróis secretos, em possíveis ganchos do tipo que alucinam os fãs, mas a aventura centra-se (por mais que meu lado fanático refute em dizer isso) corretamente em seus personagens principais, na situação em questão, deixando o futuro em aberto, com muitas possibilidades mas poucas certezas, sem grandes acontecimentos castradores da criatividade dos cineastas que seguirão esse legado.
Um dos novos heróis a serem trabalhados é o sintetizoide dos quadrinhos, Visão (também Paul Bettany). Uma adaptação perfeita do personagem nas páginas, a criatura surge simplificando todos os seus conceitos das HQs, mas ao mesmo tempo mantendo-os intactos. Enquanto nas aventuras impressas o Visão era cria de Ultron, usando as memórias de um companheiro caído dos Vingadores, aqui ele é um fruto de inadvertido esforço coletivo, algo extremamente bem pensado dentro da lógica do filme. É chamado de "inocente" logo nos primeiros momentos de vida, mas é alguém movido por uma consciência poderosa - a de alguém único e capaz de fazer a diferença no futuro da espécie, seja lá qual for. Todas as suas aparições roubam a cena no filme, em especial uma luta ao lado de Thor (Chris Hemsworth), que tem pouco o que fazer na história, mas algumas das melhores sequências de batalha. Etéreo, poderoso e sutil como deve ser, o Visão é a representação pura da ideia que guia o filme.
Ao final, Vingadores: Era de Ultron é a Era da Mente, um filme cujo cerne é brilhante, mas acaba diminuído pela necessidade, essa inércia de indústria, de ser maior e mais épico, o que acaba gerando um certo descontrole em relação ao certeiro primeiro longa. A Marvel não deveria ficar competindo em escala com outros blockbusters, mas evidenciar para o público e a indústria seus valores históricos, que tornam seus quadrinhos tão valiosos para gerações inteiras de fãs. Nivelar-se em excessos prejudica o equilíbrio que deve ser o legado da editora.
Thursday, April 23, 2015
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