Monday, January 28, 2008

RATATOUILLE


(EUA, 2007)
Animação
Direção: Brad Bird e Jan Pinkava
Roteiro de Brad Bird, baseado em estória de Brad Bird, Jim Capobianco e Jan Pinkawa. Música: Michael Giacchino. Vozes na Versão Original de Patton Oswalt (Remy), Janeane Garafalo (Colette), Brad Garrett (Auguste Gusteau), John Ratzenberger (Mustafa), Ian Holm (Skinner), Lou Romano (Linguini), Brian Dennehy (Django), Peter Sohn (Emile), Peter O´Toole (Anton Ego).


Sinopse:
Em Paris, com vista privilegiada para a torre Eiffel, está localizado o Gusteau´s, um dos mais refinados e sofisticados restaurantes do mundo, conhecido pelas receitas e técnicas divulgadas pelo Chef Auguste Gusteau, que além de comandar com criatividade os "bastidores" de seu restaurante também apresenta um popular programa de TV no canal de culinária e é o autor do livro "Tout Le Monde Peut Cuisinere" (Qualquer Um Pode Cozinhar).

Subindo o rio Sena e seus afluentes alguns quilômetros acima chegamos a um pacato vilarejo do interior da França, onde fica o casebre de uma velhinha solitária e aparentemente inofensiva.

É no forro do teto do casebre da velhinha que moram Remy, sua família e toda uma numerosa colônia de ratos do campo, reviradores de lixo.

Remy tem um dom especial: seu paladar e olfato são altamente apurados. Remy é fã de Auguste Gusteau e não perde seu programa de TV no aparelho da velhinha que tira um cochilo sentada no sofá todas as tardes na hora das receitas. Já o pai de Remy resolve aproveitar o talento de Remy por uma "causa nobre", transformando o filho no Detector de Venenos da Colônia. Todo alimento encontrado, antes de ser ingerido, deve antes ser aprovado por Remy.

Pela TV, Remy fica sabando do falecimento de Auguste Gusteau, que morreu de desgosto após receber uma crítica tão negativa do temido crítico gastronômico Anton Ego que rebaixou seu restaurante a um "4 Estrelas".

Certo dia, ao procurar açafrão para temperar seu churrasco de cogumelo feito no pára-raio Remy e seu irmão Emile acabam despertando a velhinha inofensiva de seu sono profundo e ela mostra-se não tão inofensiva assim, disparando tiros de espingarda para todo lado quando descobre a colônia de ratos que havia em sua casa.

Desabrigados, os ratos fogem entrando nos subterrâneos da França e acabam chegando em Paris. Remy, que se perde do restante da colônia, chega aos esgotos do restaurante Gusteau´s, agora sob o comando do Chef Skinner.

Remy terá a oportunidade de sua vida quando tentará ajudar Linguini, um desajeitado funcionário novato do restaurante a aprender os segredos da alta cozinha francesa.

Data de estréia: 06/07/2007.

Bastidores: Indicado ao Oscar 2008 nas categorias Melhor Filme de Animação, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora, Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som.


Opiniões dos Críticos:

TATIANA MONASSA, do site Contracampo:

"Remy é um rato desajustado com sua condição, um ser que não se contenta com o que o cerca e precisa buscar o novo, criar, ir além. Seu dom do olfato e paladar apurados torna-o um amante da culinária e um cozinheiro em potencial -aprisionado “socialmente” na posição de um animal anti-higiênico, repulsivo e condenado à margem (aos meio-fios, esgotos e cantos putrefatos). Impulsionado pelo lema do chef Gusteau (“Qualquer um pode cozinhar”), ele toma coragem para adentrar o mundo dos humanos e ter acesso ao que seria “por natureza” proibido para ele.
Oposta à de Anton Ego, o crítico culinário elitista, severo e orgulhoso, a figura de Gusteau se encontra dividida entre o oportunista que busca o lucro fácil e o gênio de bom coração, encorajador de novos talentos. No presente da narrativa, no entanto, ela existe apenas como a do conselheiro espiritual (para reafirmar sempre que qualquer um pode ser o quiser), fruto da imaginação de Remy. Pois é a ingenuidade do desejo não-maculado do obstinado ratinho que impulsiona o filme.

Partindo do princípio da fábula, de conferir humanidade aos animais para encenar uma moral, Ratatouille centra-se numa constatação primeira: os animais e os humanos coexistem (nem sempre pacificamente) em suas diferenças radicais. Este mundo, no qual a harmonia e a igualdade não são valores fundadores e as nuances imperam, é habitado por personagens cuja “função” na narrativa é graciosamente sublimada por suas personalidades. E, para além de um tradicional antagonismo (ou companheirismo, na moeda oposta), as relações entre eles são movidas por sonhos, ambições e interesses, que delineiam seu perfil psicológico e motivam suas ações. Desta forma, não existem “derrotas” e “vitórias” claras, mas mudanças de percepção.

Em determinado momento, Remy nega os empecilhos ao seu projeto inusitado de vida e afirma: “mas a Natureza é mudança”. Trata-se para ele de romper barreiras para a auto-realização e enfrentar o status quo por algo em que acredita. Remy espanta-se com a violência humana (e todos os seus apetrechos de morte, como ratoeiras e venenos), mas ainda assim teima com o pai, recusando que os homens sejam todos inimigos confessos dos ratos. Colocando-se perigosamente em um não-lugar – não é humano, contudo refuta a vida na colônia familiar e renuncia aos hábitos de sua espécie –, ele instala-se, pois, numa instabilidade assumida, como testemunham as tensas seqüências de perseguição (nas quais podemos perceber a respiração ofegante de desespero do bichinho).

Se os homens não entendem o grunhido dos ratos e apenas aqueles ratos que se abrirem podem aprender a língua dos homens, não haveria de fato por que acreditar na boa convivência generalizada entre os diferentes. Mas Remy tem como lema arriscar. E, como valores, seguir em frente, apostar na possibilidade de ser surpreendido pelo outro e confiar na capacidade de troca, de compreensão e de alargamento de fronteiras. No decorrer do filme, o desempenho do ratinho como protagonista dessa fábula sobre a liberdade de si e a tolerância mútua, ganha ares didáticos, aqui e ali. No entanto, o carisma com que Remy assume cada “discurso” não nos deixa enganar: o filme abraça sua causa frontalmente e sem pudores. E quem poderia reclamar de tal libelo à liberdade?

Há nas animações da Pixar, nos longas em especial, o charme irresistível de lidar concretamente com questões humanas a partir de abstrações suscitadas pelo exercício da fantasia. Ratatouille vem como a memória da infância evocada sensorialmente no crítico culinário Ego ao provar o prato preparado por Remy: arrebata de imediato, afetivamente, pela simplicidade e rechaça julgamentos sóbrios e distanciados, fazendo balançar qualquer resistência à adesão. Neste movimento, as intrigas possíveis (o desentendimento entre Remy e seu quase-marionete Linguini ou o necessário sigilo sobre o inaudito de um rato cozinheiro) não se aprofundam e o filme segue, doce e complacente com os dramas pessoais, que deverão encontrar sua superação, levando a bravas conquistas vida afora."


FILIPE FURTADO, da Revista Paisà:

"Não há forma mais industrial de cinema do que a animação, que envolve uma linha de produção muito mais ampla e por conseqüência uma dificuldade maior de controlar. Logo, com raras exceções (Myazaki, Avery) pouco pensamos em animação em termos de autor; por isso é surpreendente como Brad Bird, surgindo em meio a grande produção de animação americana (e dentro do seu principal celeiro, a Pixar), se afirmou como figura de ponta nesse cenário. Todos os três longas de Bird (além deste Ratatouille, ele é responsável por Os Incríveis e pelo ótimo, mas pouco visto, O Gigante de Ferro) são grandes espetáculos infantis, ao mesmo tempo populares e construídos com um certo cuidado e um toque particular que os separam do resto da produção, incluindo os demais filmes da Pixar. No que cabe à animação infantil para as massas, os únicos genuínos rivais de Bird hoje são Myazaki e Nick Park.

Ratatouille se difere de outros filmes de Brad Bird por não ter sido um projeto iniciado pelo cineasta, mas que ele herdou já com o seu desenvolvimento bastante adiantado, o que torna impressionante como o filme afirma o toque de Bird, inclusive tornando tudo uma bela alegoria afirmativa sobre o fazer cinematográfico, onde as crenças do cineasta são reafirmadas. Ratatouille também é único quando pensamos que se trata de um blockbuster que faz isso através de um viés nada típico. Primeiro, o filme é sobre a alta cozinha francesa, e não apenas isso, mas também um filme onde a única imagem mais assustadora para seu ratinho protagonista do que a de uma vitrine cheia de ratos mortos por ratoeiras, é o prospecto de passar o resto da vida criando linhas de fast food (o mesmo fast food onde afinal a Pixar e sua maior rival Dreamworks geralmente estabelecem parcerias a cada novo filme). É também um filme cujo prazer da criação é celebrado numa extensão rara, com especial destaque para a importância da figura criativa que conduz o processo. Ainda mais incomum: trata-se de uma superprodução sobre o processo criativo em que a moral final é dada por um crítico (cuja caracterização parece uma resposta a A Dama na Água, de M Night Shyamalan, um filme que lida com alguns dos mesmos temas de Ratatouille com resultados bem menos expressivos). A seqüência em que Anton Ego (num belo trabalho de voz de Peter O'Toole) escreve a crítica no final é um dos momentos mais bonitos do filme, ao mesmo tempo óbvio e inesperado e diz muito sobre o olhar de Bird que ele reescreva o ditado populista e bem Disney do guru culinário do ratinho (“qualquer um pode cozinhar”), para algo como nem todo mundo pode produzir grande arte, mas grande arte pode vir de qualquer lugar, que consegue ser ao mesmo tempo duro e profundamente generoso.

Poderíamos passar um texto inteiro afirmando as virtudes dos temas de Ratatouille, mas isto seria perder o que torna este filme especial. Porque a arte de Bird se afirma nos detalhes, na maneira como ele consegue incluir injeções de inesperado no seu filme. Ratatouille afinal é um filme sobre um ratinho que se recusa a simplesmente limpar os ratos e antropomorfizá-los por completo, há algo do nojo dos ratos que persiste no meio desta animação Disney: a imagem de um mar de ratos desfilando por uma cozinha ao mesmo tempo é deliciosamente divertida e algo incômoda. Ou a maneira que o filme investe na sua longa duração, ou ainda nas dificuldades de comunicação entre os personagens. O final, onde Bird opta por não apagar na fábula as implicações mais complexas da situação fantástica dos seus personagens, é só a última afirmação do toque de seu autor. "

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